segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Skyfall (e nova saga do 007 até aqui)

Em meados de 2005, depois de muita especulação, Daniel Craig foi anunciado como o novo intérprete de James Bond. Pierce Brosnan, seu último intérprete, não renovou o seu contrato após quatro filmes. A escolha não foi muito bem aceita pelo público já que Craig, loiro, baixo e não tão bonito, quebrava os estereótipos do 007 que foram criados ao longo da filmografia do agente secreto.
Essa nova fase seria um reboot da série, sem qualquer relação direta com os filmes anteriores. E os novos filmes, começando por "Casino Royale", seriam mais baseados na realidade, sem bugigangas tecnológicas, enquanto apresentariam um James Bond mais inexperiente.

Com o lançamento de "Skyfall", o 3º filme com Craig, aproveito para fazer um apanhado dessa nova etapa do 007 até aqui — mas com o foco no último, claro. A essa altura Daniel Craig se firmou no papel de Bond, afastando as dúvidas quanto a escolha por ele, e a série se consolidou como uma das mais lucrativas dos últimos anos ("Skyfall" vem batendo recordes de bilheterias ao redor do mundo).

Se você não viu os filmes, já aviso da presença de spoilers.

007 - CASINO ROYALE

★★★★☆
Ótimo

Com a missão de contar a origem do agente 007, "Casino Royale" já começa mostrando como James Bond ganhou o status de 00, e sua primeira missão como tal. E logo nesse início já dá pra perceber que veremos que o James Bond de Daniel Craig será bem mais "físico" que os anteriores. Isso se confirma na impressionante cena de perseguição em Madagascar. É até curioso ver o James Bond, todo bruto, tentando de qualquer jeito acompanhar o negão mestre no Le Parkour. Nessa sequência Bond prova que aqueles que dizem que "técnica é superior a força" podem estar errados. Bem errados.
Apesar de ter feito um estrago numa embaixada em Madagascar, o que colocou o MI6 e ele mesmo em capas de jornais, Bond consegue informações que eventualmente o levam a Le Chiffre, um banqueiro que financia organizações terroristas. Desesperado, depois de Bond o fazer perder mais de U$100.000.000, ele organiza um torneio de pôquer em que espera recuperar a fortuna perdida, e continuar vivo (já que o dinheiro que ele perdeu era, na verdade, de seus clientes). A pedido de M, o governo britânico aceita bancar a participação de Bond no torneio contando que, com a derrota de Le Chiffre, ele, sem opções, aceite virar um informante do serviço secreto britânico, em troca de segurança.

Apesar do filme focar bastante no torneio de pôquer, "Casino Royale" não deve nada em ação. Várias cenas são de tirar o folêgo, assim como a bond-girl Vesper, interpretada pela linda Eva Green. Ela é a designada pelo governo para garantir a segurança do dinheiro investido em Bond. Eles acabam se apaixonando, o que, com os eventos que se seguirão, será essencial no desenvolvimento desse "novo" James Bond.

O que mais chama atenção em "Casino Royale" é a humanização "sofrida" por Bond. Sempre o conhecemos como um espião charmoso e mulherengo, mas inalcançável, por assim dizer. Nunca o vimos tão passível de falhas e sentimentos. O James Bond de Daniel Craig é rebelde, quebra regras, apanha bastante (e bate ainda mais), se machuca durante as perseguições, se apaixona... Enfim, parece mais crível. Essa talvez seja a maior pretensão desse reboot da série. E essa característica estará presente e fará parte dos elementos principais nos filmes que seguirão "Casino Royale".

007 - QUANTUM OF SOLACE:

★★★☆☆
Bom

O filme começa quase exatamente onde "Casino Royale" terminou. Um James Bond furioso, para dizer o mínimo, vai atrás daqueles que causaram a morte de Vesper, que o traiu, mas também o salvou. E ele não mede esforços para encontrar respostas, destruindo tudo e todos no seu caminho. Sua busca pelo responsável pela morte de Vesper o leva a uma grande organização terrorista. Tendo apoio até da CIA, a Quantum é praticamente intocável, e Bond é o único que ousa ficar contra a organização, mesmo que isso signifique ficar contra a Agência americana e ao próprio MI6.

"Quantum Of Solace" peca por ser meio confuso. Desde o roteiro às cenas de ação — em certos momentos nem dá pra entender o que está acontecendo; resta-nos presumir que seja lá o que aconteceu seja realisticamente possível, e seguir o filme.

Mas, por outro lado, é um filme que parece que "precisava" ser feito. Trabalhar a forma como os eventos de "Casino Royale" influenciaram James Bond como pessoa/agente era essencial para a saga (além de aprofundar mais a relação dele com M), ainda mais a longo prazo. Olhando superficialmente, para nós pode ter sido apenas uma conclusão da história de "Casino Royale". Mas para Bond, foi uma conclusão da sua história com a Vesper. Passado o período de "luto", o sentimento de raiva e vingança, agora ele pode seguir em frente — e "Skyfall" mostra exatamente isso: um Bond mais maduro.

Para a mitologia do 007, Quantum Of Solace foi útil. Mesmo não tendo sido muito bem executado.

007 - OPERAÇÃO SKYFALL:

★★★★☆
Ótimo
[Pequenos spoilers do filme a seguir]

Muita expectativa se criou por Skyfall. Depois do não-tão-bom "Quantum of Solace", o 3º filme desse "reboot" da saga do 007 tinha o dever de retomar o bom cinema apresentado em "Casino Royale". Para isso, Sam Mendes, um diretor com mais bagagem, foi chamado para dirigir o filme — mesmo que o roteiro seja de Neal Purvis, o mesmo de Quantum. E Mendes cumpre o seu dever, nos entregando um belíssimo filme.

Embora "Skyfall" seja um maravilhoso filme de ação, ele se distancia um pouco dos filmes anteriores do espião mais famoso do mundo (falando desse jeito até fica engraçado). Enquanto a maioria dos filmes — seja da "era" Craig, Brosnan, Connery etc — tem um clima mais "thriller de espionagem" (com bastante ação, é claro), "Skyfall" parece abrir mão da espionagem e foca mais no clima de perseguição. Lá pela metade do filme já descobrimos quem é o vilão e seu objetivo. Ponto. A partir daí o filme se joga de cabeça numa caça de gato e rato (ou rato e rato, quem já viu entenderá). 
Apesar do clima de caça, é claro que existem mais elementos que compõe a trama de "Skyfall", como M respondendo pelos erros do MI6 (inclusive um que quase causou a morte de Bond) e a volta à ativa de Bond, após ser baleado e dado como morto. Porém, tudo serve mais de preparação para o arco principal.

Mas além das incríveis cenas de ação, "Skyfall" guarda como seus maiores trunfos a exploração do passado de James Bond e o seu vilão, atuado por Javier Bardem, que já vai juntando uma coleção de ótimos vilões (vide Anton Chigurh de "Onde Os Fracos Não Tem Vez"). Esses são os maiores diferenciais de "Skyfall" em relação aos seus dois antecessores. Em Casino e Quantum, algumas pistas sobre o passado de Bond são dadas, mas nunca exploradas, e os vilões não eram "pessoais" como Silva. Nele, "Skyfall" encontra um inimigo perfeito para Bond. Um ex-agente (e outrora pupilo de M), que consegue pensar e lutar como ele. A primeira vez que os dois se encontram já é um dos melhores momentos da nova saga, não só pela metáfora que vai comandar o filme, mas pelo humor que alivia o clima de tensão do momento.
São esses dois elementos que fazem de "Skyfall" o filme mais pessoal do 007 (pelo menos dessa nova fase) até aqui.

Numa série tão duradoura como 007 é normal que os novos filmes façam refererências aos antigos, mesmo que eles não se passem num mesmo universo/linha de tempo. Essas conexões, além de demostrarem respeito aos filmes anteriores, servem para atrair o público mais saudosista, fãs dos filmes mais antigos. E o que não falta em "Skyfall", lançado no ano em que a série completa meio século, é referências aos seus predecessores. As referências vão desde citações à bugigangas usadas em filmes anteriores (como caneta explosiva) à um novo "Q",  passando pelo famoso Aston Martin — "Vamos voltar no tempo" diz Bond á M ao ser perguntado para onde vão. Isso é mais um ponto interessante de "Skyfall". Enquanto é o filme que menos se assemelha ao "modelo 007", é o filme que mais parece querer se conectar com os outros. Talvez a escolha por fazer tantas referências seja exatamente simular uma conexão com a série, já que o roteiro não faz isso — não que isso seja defeito, apenas algo diferente. De qualquer forma, as várias referências, que podiam até acabar soando forçadas, se mostram um dos pontos altos do filme.

Não sei se é porque "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" ainda está muito fresco na minha cabeça, mas não pude deixar de notar algumas semelhanças entre as tramas de "Skyfall" e as dos filmes do Batman, de Christopher Nolan. "Skyfall" se passa um tempo depois dos dois filmes anteriores, provavelmente alguns anos, e mostra um herói mais maduro que tem que enfrentar as limitações físicas dos ferimentos e da própria idade. Outros elementos, como um vilão com senso de humor "curioso" e que está sempre a frente dos "mocinhos" (inclusive sendo preso de propósito), também remetem aos filmes de Nolan. Essas semelhanças podem ser apenas coincidências, mas parece que Skyfall bebeu um pouco da fonte de Batman.

Sendo uma história original ou não, o que importa é que "Skyfall" recupera o prestígio da saga. Sam Mendes, que pode voltar para a próxima continuação, faz um ótimo trabalho ao fazer um filme com bastante ação, sem esquecer do desenvolvimento dos personagens. Esse equilíbrio faz de "Skyfall" um dos melhores filmes recentes do 007.