sábado, 25 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret - Oscar 2012

★★★★★
Excelente

Martin Scorsese é um figura recorrente no Oscar. Apesar de ser um dos maiores diretores vivos, só teve sua genialidade reconhecida em 2007, com "Os Infiltrados" - que nem é o melhor filme dele. O responsável por "Os Bons Companheiros" e, do mais recente, "A Ilha do Medo" aparece esse ano com um dos seus melhores filmes da sua fase atual. Filme esse que tem o maior número de indicações ao Oscar 2012 - 11, no total.

"A Invenção de Hugo Cabret" (ou apenas "Hugo", no original) faz o espectador viajar na Paris dos anos 30. O filme se passa na sua maior parte numa estação onde Hugo vive. Ele é um menino solitário que, por ser órfão, vive escondido entre as "paredes" da estação, observando cada personagem daquele lugar, onde ele foi morar depois da morte de seu pai (Jude Law), um relojoeiro que lhe ensinou tudo o que sabia. Se ele for descoberto pelo guarda da estação (Sacha Baron Cohen, sempre dando seu toque cómico), será mandado imediatamente para um orfanato. Georges Méliès (Ben Kingsley), um dos comerciantes da estação, pega um caderno de anotação de Hugo, como castigo pelos constantes roubos de ferramentas praticado pelo garoto. Esse caderno pertencia ao seu pai e continha informações para fazer um autômato (uma espécie de robô inteiramente mecânico), achado por ele, funcionar. Antes do pai de Hugo morrer, os dois trabalhavam no conserto desse autômato e consertá-lo virou a obsessão de Hugo, afinal, era a única coisa que ainda o ligava ao pai. Só que o que Hugo não imaginava, é que esse autômato guarda um segredo que vai mudar não só sua vida, mas de outras pessoas.

A atuação do menino Asa Butterfield é emocionante. O potencial que ele já tinha mostrado no ótimo "O Menino do Pijama Listrado" agora é confirmado em Hugo. Chloe-Grace Moretz está encantadora como Isabelle, a garota aventureira (afilhada de Méliès) que vira a amiga e aliada de Hugo na busca da solução do "mistério do autômato". Ben Kingsley, como já é esperado, dá o tom dramático necessário, perfeito, sem exageiros e tem uma bela atuação. E ainda tem Emily Mortimer e Christopher Lee em papéis menores, mas importantes para o desenvolvimento da história.
E não só na bela história e no roteiro impecável que vemos o capricho que Scorsese teve com "Hugo". Em todos os momentos, em cada ângulo em que as cenas foram filmadas, na trilha sonora, edição, tudo foi pensado, cuidadosamente, nos mínimos detalhes.

"A Invenção de Hugo Cabret" provavelmente não vai levar o Oscar de Melhor Filme, mas com certeza é um dos melhores (senão o melhor) da lista - e do ano. É um filme que homenageia o cinema (assim como O Artista), emociona e te faz pensar - sem parecer forçado (como acontece com "Histórias Cruzadas", por exemplo).

"Eu imaginava que o mundo inteiro era uma máquina enorme. As máquinas não vêm com peças a mais. Elas sempre vêm com a quantidade exata. E se o mundo inteiro é uma máquina, eu não sou uma peça a mais. Tenho um motivo para estar aqui. E você também tem."

Essa fala dita por Hugo, um garoto que sempre viveu entre máquinas, representa bem a essência do novo filme de Scorsese. Todos os personagens no filme, estão a procura do seu lugar, do motivo ou propósito que faça a vida deles fazer sentido. Desde o próprio Hugo até Georges Méliès que, mesmo uma vez já tendo encontrado o seu lugar, acabou o perdendo no meio do caminho. E, de uma forma ou de outra, os destinos dos dois estão ligados.
E, assim como os personagens do filme, o que somos nós senão peças procurando nosso lugar nessa grande máquina? Alguns já acharam, outros continuam procurando, outros desistiram de procurar. Mas todos nós temos um propósito. Cabe a nós achá-lo.

Hugo
EUA , 2011 - 126 min.
Aventura/Drama/Mistério
Direção:
Martin Scorsese Roteiro: John Logan
Elenco: Asa Butterfield, Chloë Grace Moretz, Ben Kingsley, Sacha Baron Cohen, Emily Mortimer, Christopher Lee, Ray Winstone, Helen McCrory, Jude Law, Michael Stuhlbarg, Frances de la Tour, Richard Griffiths
 
Indicações ao Oscar: Melhor filme, Melhor diretor, Melhor roteiro adaptado, Melhor trilha sonora original, Melhores efeitos visuais, Melhor fotografia, Melhor figurino, Melhor direção de arte, Melhor montagem, Melhor edição de som, Melhor mixagem de som.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Artista - Oscar 2012

★★★★☆
Ótimo

Numa época em que os filmes em 3D e cheios de efeitos especiais cada vez ganham mais força (e dinheiro), dominando as salas de cinema, o diretor Michel Hazanavicius nada contra a corrente ao fazer um filme preto e branco e, ainda por cima, mudo. E essa coragem de fazer o diferente pode significar a consagração não só dele, mas de toda sua equipe. "O Artista", além de ser o favorito ao Oscar, recebeu 10 indicações - só fica atrás de "A Invenção de Hugo Cabret", com 11.

O filme segue a trajetória de glória e decadência de George Valentin (Jean Dujardin), um famoso ator do cinema mudo que vê sua carreira fracassar com o começo do cinema falado. Ainda no auge da cerreira, ele conhece a fã Peppy Miller de forma inusitada. Esse "encontro" impulsiona a carreira de Peppy (Bérénice Bejo), que também é atriz. Eles até chegam a fazer um filme juntos, mas quando o som chega ao cinema, os destinos deles se separam (ao menos temporariamente). Enquanto George é muito orgulhoso para entrar nessa nova "onda", Peppy entra de cabeça e acaba virando uma grande estrela.

Desde o primeiro filme com som, em pouco tempo o cinema mudo foi "engolido" pelo cinema falado - em 2 anos a esmagadora maioria dos filmes produzidos em Hollywood tinha som. E muitos atores que não acompanharam essa mudança acabaram ficando pelo meio do caminho. E isso que acontece com George Valentin. Junto com o seu emprego, George também perde sua identidade - dilema muito parecido com o de Norma Desmond, de "Crepúsculo dos Deuses" (1950). Para um artista decadente, o profundo anonimato é o pior dos pesadelos. E esse pesadelo acaba virando realidade. Essa questão é muito bem representada quando George vai ver o novo filme de Peppy e, na saída, uma mulher o para. Mas por causa do cachorro dele e não por tê-lo reconhecido. Esse drama de George também dá origem a uma das cenas mais interessantes do filme; após ter tido contato pela primeira vez com o som num filme, ele parece reagir com descrença, e zomba do que acabara de ver. Mas na verdade isso mexe com ele e o deixa inseguro. E ele sonha com tudo ao seu redor começando a fazer barulho, menos ele, que até tenta gritar, mas nenhum som sai de sua garganta. Simbolismo perfeito para a fase que ele vai viver a partir daquele momento. O mundo que ele fazia parte mudou, e ele acabou ficando obsoleto, ultrapassado, sozinho - em uma cena ele passa por um cinema onde tem escrito "Lonely Star" (estrela solitária), mas um detalhe que ajuda na compreensão do personagem.

A direção de arte do filme capricha bastante nos detalhes para recriar as décadas de 20/30, e todo o charme do cinema mudo. E ver como eram feitas as gravações - como a cena em que vários takes são repetidos, até ficar bom - também é interessante.
Os atores estão muito bem, com destaque para Jean Dujardin, que parece que nasceu para o cinema mudo. As expressões faciais fortes e até seu jeito de se mover casam muito bem com a proposta de "O Artista". É um forte candidato ao Oscar de melhor ator - ele já ganhou o BAFTA, entre outros prêmios.

"O Artista" é o favorito ao Oscar, o que não quer dizer que é o melhor, mas, no geral, é um ótimo filme. Pode parecer estranho por ser algo bem diferente do que estamos acostumados a ver, mas isso é uma coisa boa. Filmes com tiroteios, carros, vampiros, super heróis, robôs, aliens etc temos aos montes. Mas um filme que resgata e homenageia o cinema de quase 100 anos atrás é um raridade, que merece ser vista e prestigiada.

The Artist
França/Bélgica, 2011 - 100 min.
Comédia/Drama

Direção:
Michel Hazanavicius Roteiro: Michel Hazanavicius
Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller Indicações ao Oscar: Melhor filme, Melhor diretor, Melhor atriz coadjuvante, Melhor roteiro original, Melhor trilha sonora original, Melhor fotografia, Melhor figurino, Melhor direção de arte, Melhor montagem.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O Homem Que Mudou o Jogo - Oscar 2012

★★★☆☆
Bom

Quais as chances de um filme sobre beisebol ser bem recebido por brasileiros? Nos Estados Unidos é um dos esportes mais populares, já no Brasil ocupa uma posição bem baixa na lista de preferência, bem perto do hóquei, por exemplo. Mas "O Homem Que Mudou o Jogo" ("Moneyball") contraria as probabilidades e consegue ganhar o espectador do Brasil - pelo menos aquele que gosta de cinema. Grande parte graças à forma como o personagem principal, Billy Beane, é introduzido (e desenvolvido) e como a história  (real) é conduzida - não sendo necessário ser conhecedor do esporte para curtir o filme.

Se apoiando no carisma de Brad Pitt, Bennett Miller sabiamente não foca apenas no esporte, mas explora bem os dramas de Billy Bean, uma ex-promessa do beisebol que acabou não vingando. Com a carreira de jogador encerrada, Billy se dedica a um outro cargo no esporte: o de general manager, ou "gerente geral" (cargo aparentemente mais importante que o de técnico). A função do manager basicamente é cuidar da negociação de jogadores. O problema é que Billy trabalha para o Oakland Atlethics, um time que não tem muita grana, e que vinha de uma derrota vergonhosa para o Yankees na última temporada. Numa tentativa de negociação com um outro time, Billy conhece Peter Brand (Jonah Hill), um jovem economista, que logo chama a sua atenção pelo jeito diferente de enxergar o esporte e as negociações - usando estatísticas dos jogadores, ele faz uma equação que define se o investimento vale ou não a pena. Billy contrata Peter e os dois começam a (re)formar o time (que já tinha perdido alguns jogadores importates) para a próxima temporada. Billy começa a sofrer resistência dos olheiros, do técnico e do próprio presidente do clube quando, baseado nos conhecimentos de Peter, começa a contratar jogadores desacreditados - seja por serem indisciplinados, com problemas de saúde ou outros motivos - e os resultados favoráveis não acontecem. Com seu emprego e sua reputação em risco, ele tem que decidir se vai continuar apostando no sistema de Peter ou se vai se render a pressão dos dirigentes do clube.

Brad Pitt está bem no papel, mas acho que ele está ainda melhor em "A Árvore da Vida". Só que em "Moneyball", Pitt é o centro do filme, o que já não acontece no filme de Terrence Malick. Já a indicação de Jonah Hill ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante é uma das coisas mais bizarras da premiação nos últimos anos, mesmo ele já tendo sido indicado pra outras premiações, como o Globo de Ouro. É um bom ator fazendo provavelmente seu papel mais sério na carreira mas que, mesmo assim, ainda destoa dos outros indicados. Nomes como Robin Wright e Philip Seymour Hoffman, que interpreta muito bem o técnico do time (e opositor ferrenho de Billy), ainda compõe o elenco.

"O Homem que Mudou O Jogo" estreou em poucas salas no Brasil e não deve fazer muito sucesso (pelo menos na telona), mas mesmo assim é capaz de fazer com que um amante do futebol pare por 2 horas e curta um filme sobre um esporte que, pra nós, é tão difícil de entender. Mérito não do beisebol, mas do filme em si, que é bom, muito bem feito e não se limita ao campo (trabalhando os dramas dos personagens), prendendo a atenção de quem assiste.

Moneyball
EUA , 2011 - 133 min.
Drama
Direção: Bennett Miller 
Roteiro: Steven Zaillian, Aaron Sorkin
Elenco: Brad Pitt, Jonah Hill,
Philip Seymour Hoffman, Robin Wright, Chris Pratt, Stephen Bishop, Brent Jennings, Ken Medlock, Tammy Blanchard, Jack McGee, Kerris Dorsey 
Indicações ao Oscar: Melhor filme, Melhor ator, Melhor ator coajuvante, Melhor roteiro adaptado, Melhor montagem, Melhor mixagem de som

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Histórias Cruzadas - Oscar 2012

★★★☆☆
Bom

Estados Unidos. Década de 60. Uma América racista tratava os negros como se fossem uma raça inferior, os privando de direitos básicos de uma sociedade livre. A segregação racial levantava muros entre brancos e negros - patrões e empregados.
A recém-formada jornalista Skeeter Phelan (Emma Stone) via essas injustiças e não suportava. Ela então decide escrever um livro com relatos de empregadas domésticas denunciando os maus tratos de seus patrões brancos. Tarefa nada fácil, já que as empregadas resistiam em dar os depoimentos, temendo perderem o emprego ou até sofrerem outras formas de represálias - naquela época, o movimento pelos direitos civis crescia, e negros eram mortos e presos sem nenhuma razão. Mas Skeeter consegue convencer Aibileen (Viola Davis) - empregada de Hilly (Bryce Dallas Howard) - e, mais tarde, Minny (Octavia Spencer), a dar os depoimentos.
Skeeter meio que vivia uma vida dupla. Sua família e amigas faziam parte dessa sociedade opressora. Mas, por outro lado, ela ouvia e escrevia as histórias das mulheres negras, tentando ajudá-las a sair dessa situação exploratória.

O elenco, quase todo feminino, está muito bem. Viola Davis é a única que pode tirar o Oscar de Melhor Atriz de Meryl Streep (por "Dama de Ferro), e Octavia Spencer provavelmente ganhará por Melhor Atriz coadjuvante. O filme não vinha tendo muitas apostas para ganhar o prêmio principal do Oscar mas, depois de ter faturado o SAG Awards, ganhou um novo fôlego.

"Histórias Cruzadas" fala de um tema já muito explorado, mas ainda atual. O racismo continua presente na sociedade nos dias de hoje, embora em menor proporção. O filme, mesmo tendo bastante de diálogos, mostra em algumas cenas detalhes que traduzem o dia a dia e o pensamento daquela época. Como, por exemplo, o bairro onde as "pessoas de cor" moravam. Todas as mulheres saíam, como um bando, com a mesma roupa, para trabalhar como empregadas - ou procurar uma casa que as aceitassem como empregadas. Era como se as mulheres negras nascessem apenas para esse propósito - servir os brancos. Outro exemplo é a bandeira dos Estados Confederados do Sul (união de Estados escravocratas, que perderam a Guerra Civil) vendidas nas mesmas lojas onde os livros de Skeeter eram vendidos. Até hoje essa bandeira é símbolo de racismo nos Estados Unidos. E os livros serem vendidos nas mesmas lojas que visitadas por racistas, retrata uma mudança que já estava começando a aparecer nos Estados Unidos.

Mas a impressão que fica é que o filme peca por mostrar demais, tendo um clima quase que didático. Todos sabem que racismo é ruim, e os negros foram muito explorados naquela época. Apesar de ter imagens que falam por si só (como já foi citado), se a mensagem fosse um pouco mais implícita poderia ser melhor.
É um bom filme. E do tipo que a Academia gosta. Emociona, tem momentos de descontração, um elenco forte e uma história de superação. Mas parece faltar algo.

The Help
EUA , 2011 - 146 min.
Drama
Direção: Tate Taylor
Roteiro:
Tate Taylor
Elenco: Viola Davis, Emma Stone, Octavia Spencer, Bryce Dallas Howard, Jessica Chastain, Ahna O'Reilly, Allison Janney, Anna Camp, Sissy Spacek, Chris Lowell, Mike Vogel, Cicely Tyson
Indicações ao Oscar: Melhor Filme, Melhor Atriz (Viola Davis), Melhor Atriz Coadjuvante (Octavia Spencer e Jessica Chastain)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A Árvore Da Vida - Melhores Filmes de 2011/Oscar 2012

★★★★★
Excelente

"O coração de um homem tem duas formas de encarar a vida. A forma da natureza. E a forma da graça. Você deve escolher qual das duas seguir. A graça não tenta agradar a si mesma. Ela aceita ser desprezada, esquecida, rejeitada. Ela aceita insultos e machucados. A Natureza apenas tenta agradar a si própria."

Eu costumo (e prefiro) analisar os filmes apenas como espectador, de uma maneira impessoal. Mas não sei se conseguiria fazer isso com "The Tree Of Life", no original. Acho que é uma experiência em que cada um vai entender - e reagir - de uma forma.

Uma coisa é certa: é impossível não gostar muito, ou gostar apenas um pouco de "A Árvore da Vida". Esse é o tipo de filme que causa profunda admiração ou ódio. Conheço pessoas que amaram o filme, outras que odiaram, e outras que nem tiveram paciência para ver até o final.
Realmente, é um filme um tanto difícil de digerir. Muitos simbolismos, filosofia, questionamentos, poucos diálogos, ritmo meio "lento" e imagens aparentemente aleatórias que podem, a primeira vista, cansar quem está assistindo. No começo eu cheguei a pensar algo como: "estou vendo um filme ou um documentário do Discovery Channel?" Parece que Terrence Malick pegou um monte de imagens (lindas) aleatórias e foi colocando no filme, sem nenhum critério. Mas ao decorrer do filme eu fui percebendo que as imagens não são tão aleatórias e sem sentido assim.

Na sua origem, "A Árvore da Vida" é um filme sobre família, infância e dor da perda. Até aí tudo bem, nada de muito novo. Mas quando tudo isso é misturado nós temos uma história mais complexa. A família O'Brien  por fora parece ser perfeita, mas na verdade é oprimida por um pai (Brad Pitt) que, apesar de amoroso, é intolerante e comanda a casa com mãos de ferro. Na figura desse pai que é representado um coração que escolheu seguir a "forma da natureza", citado no início dessa crítica. Já na figura da mãe, a "forma da graça". A morte de um dos 3 filhos, afeta a todos (o pai em menor escala, que parece tentar esconder seus sentimentos), e vemos toda essa situação pelo olhar de Jack (Hunter McCracken), o filho mais velho, que tenta lidar com a dor da perda do irmão, além do seu crescente rancor que vai guardando pelo seu pai - rancor esse que, em certo momento, o faz pedir a Deus para matar o pai. Uma mistura capaz de marcar uma criança pelo resto da vida. E é isso que acontece.
O filme não segue uma linha temporal e, logo somos apresentados a um Jack 40 anos mais velho (Sean Penn), que ainda não se desprendeu do passado e questiona Deus pela morte de seu irmão. E é com base nos questionamentos de Jack e de suas lembranças que o filme funciona. Com poucos diálogos até nas suas lembranças, os pensamentos de Jack é que vão guiando o telespectador pelas imagens que vão sendo apresentadas.

Apesar de ter um tom religioso, "A Árvore da Vida" não faz questão de pregar nenhuma mensagem, dando espaço a várias formas de interpretação. Num dos questionamentos de Jack, ele pergunta a Deus: "Onde você estava (quando o irmão morreu)"? Quem somos nós para Você?"; E então somos apresentados a uma das cenas mais comentadas: a da origem de tudo. Mais de 10 minutos com lindas imagens do Universo, logo na primeira parte do filme - o que pode afastar os mais apressadinhos que querem explicações de tudo logo. No mesmo momento em que alguns podem interpretar que Deus criou tudo desde o início, assim como Ele nos criou e tem um propósito para tudo (como aponta o versículo da bíblia que abre o filme), outros podem interpretar a cena como a demonstração da insignificância do Homem diante do Universo e de tudo que aconteceu para que ele (o homem) existisse; ou seja, talvez Deus não ligue, talvez Ele não exista. E essas são apenas duas das muitas maneiras de se interpretar.

O filme acerta também no aspecto técnico. Mallick dirige bem seus atores, a trilha sonora quase constante é sensacional e, num filme com poucos diálogos, ajuda a passar as emoções dos personagens; e a fotografia é belíssima. Os planos usados na filmagem, com ângulos na maioria das vezes de baixo pra cima (mesmo nas cenas de Jack adulto), dão a impressão de estarmos vendo o filme sempre pela perspectiva de uma criança.

Com tantos detalhes e cenas abertas para interpretação, seria impossível comentar tudo aqui nesse espaço, mas "Árvore da Vida" é uma experiência que te impossibilita de ficar indiferente. Pode não ser o melhor filme do ano, mas, com certeza, é o mais diferente, o "mais único".

E na cena final, mesmo sem ter muita certeza do que se tratava - talvez o encontro no Paraíso, talvez um misto das memórias de Jack, vai da interpretação de cada um -, senti um estranho nó na garganta. E percebi que "Árvore da Vida", por mais piegas que soe, é um filme que você sente, não apenas vê.

The Tree Of Life
EUA , 2011 - 139 min.
Drama
Direção: Terrence Malick
Roteiro: Terrence Malick
Elenco: Brad Pitt, Sean Penn, Jessica Chastain, Hunter McCracken
Indicações ao Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Fotografia.