segunda-feira, 27 de maio de 2013

O Substituto

★★★★★
Excelente


"Detachment" (no original) é o 6º filme de Tony Kaye, diretor mais conhecido pelo forte "A Outra História Americana" — que rendeu Edwart Norton uma indicação ao Oscar pelo seu papel de um Neo Nazista.
Em seu novo filme, Kaye aborda não só o problema na educação atual, mas expande a visão procurando a fonte desse problema, que tem piorado nas gerações atuais. Vemos alunos cheios de raiva, pais irresponsáveis e incompreensíveis e professores estressados, que muitas vezes levam seus problemas pessoais para a escola, comprometendo suas funções e relacionamentos com os alunos. Falta compreensão e a única coisa que todos compartilham, é o vazio que sentem, por mais contraditório que soe.

Até Henry Barthes (Adrien Brody, numa atuação arrebatadora), que é uma boa pessoa e professor inspirador, carrega seus demônios do passado que o impedem de se relacionar com pessoas e amá-las/ser amado — o nome original do filme, que quer dizer desapego ou distanciamento, é exatamente sobre isso. Quando o perguntam o porquê de ter escolhido essa profissão, ele foge da questão, mas durante o filme fica claro que esse seu problema é o verdadeiro motivo que o leva a ser um professor substituto (não querer ficar muito tempo num lugar e se apegar aos alunos) e ter entregado Erica, uma adolescente que se prostitua e foi acolhida por ele, ao Serviço Social — ele só se "livra" dela depois dos dois terem criado um laço muito forte.

Todos os personagens tem dificuldades em sua vida pessoal que comprometem seus deveres. Seja professores que não conseguem mais dar conta do ensino, pais que negligenciam os filhos (a sequência da reunião dos pais mostra bem isso) ou alunos com problemas de auto-estima que não conseguem ter uma vida normal (dentro e fora da escola). O próprio Henry consegue conquistar e inspirar os alunos, até os mais problemáticos, mas uma vez que ele vai embora, ninguém pode assegurar que eles continuem no caminho certo. Se ele não tivesse seus conflitos e conseguisse assumir um compromisso com pessoas, provavelmente ele faria uma maior diferença na vida desses jovens que precisam de um modelo a seguir.


A fotografia do filme, feita pelo próprio Tony Kaye, assume um ar documental nas cenas da escola, se afastando um pouco dos personagens — talvez para reforçar a distância emocional. Já fora dela, primeiros e primeiríssimos planos são muito utilizados, procurando extrair o máximo da emoção dos personagens.
A montagem nervosa retrata perfeitamente o caos, principalmente na vida de Henry (vemos muitas cenas de seu passado e presente em certos momentos). O roteiro do estreante Carl Lund é muito bom, explorando a vida dos personagens e fazendo questionamentos oportunos — e ainda é potencializado pela direção de Kaye que o transforma num belo e poderoso filme.

"O Substituto" é interessante por não ser uma simples história de um professor que chega na escola e muda a vida do lugar e dos alunos. Aqui não há professores heróis, apenas seres humanos danificados. O caos está em todo lugar, inclusive dentro de cada personagem. E reconhecê-lo, entender sua origem, é vital para combatê-lo e encontrar a distante e já esquecida paz.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Terapia de Risco


★★★★☆
Ótimo

Se há um adjetivo que poderia descrever Steven Soderbergh como diretor, definitivamente seria: versátil. Sua filmografia variada vai desde filmes extremamentes pipocas, como "Onze Homens e Um Segredo", a cults como "Che", passando por longas de ficção científica ("Solaris") e ação ("À Toda Prova").
Em seu novo e provavelmente último filme, "Side Effects" (no original), ele faz um suspense que mistura o universo da indústria farmacêutica — já abordado, dentre outros temas, dois anos atrás, em "Contágio" — com elementos que remetem até a obras de Hitchcock e seus jogos mentais.

A trama do filme conta a história de Emily Taylor (Rooney Mara, da versão americana de "Os Homens Que Não Amavam as Mulheres"), uma mulher que sofre com ataques de ansiedade e depressão. Mesmo com a volta do seu marido (Channing Tatum) para casa, depois de passar 4 anos preso por um negócio ilícito na Bolsa de Valores, as crises não melhoram e a levam a uma tentativa de suicídio. No hospital, ela conhece o psiquiatra Jonathan Barks (Jude Law), com quem começa a se tratar. Ele prescreve um novo remédio experimental que a faz melhorar, porém, causa alguns efeitos colaterais inesperados que mudarão a vida de todos.

O roteiro de Scott Z. Burns faz "Terapia de Risco" parecer dois filmes em um. A princípio um filme de investigação que trata de temas sérios como depressão e a responsabilidade de médicos que são pagos por laboratórios para testar novos medicamentos em seus pacientes (com a permissão deles, é claro), o filme toma uma guinada inesperada que o transforma num grande suspense psicológico.
Dentro do que foi pretendido o filme funciona muito bem (apesar de forçar a barra em alguns momentos), pois consegue pegar o espectador de surpresa. Mas talvez poderia ser um filme ainda mais interessante se Soderbergh fosse mais a fundo nas questões mais sérias que começou a abordar, pois elas só funcionam como uma escada para a verdadeira trama. Além da depressão, como ele tinha começado a tratar do tema da indústria farmacêutica há dois anos, eu esperava que em "Terapia de Risco" ele fosse mais a fundo, "investigando" esse universo pouco conhecido do público, como o filme dá a entender. Mas ele pretere esses dois temas para puxar o tapete do espectador em nome de um thriller que, dependendo do ponto de vista, pode ser considerado inteligente e intrigante, ou bobo e ilusório.


Porém, mesmo com minhas ressalvas, admito que gostei do filme. Dentre esses bons e maus adjetivos que citei, eu usaria intrigante e ilusório como a minha definição do longa. Minhas reservas quanto à obra são mais por gosto pessoal — e até expectativa — do que por questões narrativas ou técnicas. A fotografia, assumida mais uma vez pelo próprio Soderbergh (sob o pseudônimo de Peter Andrews), é excelente e trás detalhes muitos interessantes. Um deles é na primeira consulta de Emily com Jonathan. No início da sequência a câmera enquadra Emily de cima para baixo (posição em que o personagem/objeto filmado diminui), mas à medida que ela vai falando sobre como conheceu Martin, a câmera vai abaixando até enquadrá-la de baixo para cima (fazendo-a crescer), sinalizando como ele a fazia bem, inclusive para sua auto-estima.
Seja por meio da iluminação ou da direção de arte, a paleta de cores frias e foscas, como um amarelo-pastel muito utilizado nos vários ambientes escuros, dominam o filme em sua maioria, enfatizando ainda mais o universo sem cores e o clima depressivo do filme.

"Terapia de Risco" é muito bem dirigido e tem ótimas atuações. A dupla de protagonistas — Jude Law e Rooney Mara — levam muito o filme. Law está muito bem como o psiquiatra numa posição difícil que precisa provar sua inocência. E Mara é perfeita em todas as nuances que seu personagem pede. Já Catherine Zeta-Jones, que interpreta a antiga psiquiatra de Emily, fica abaixo do resto do elenco, não fugindo da caricatura de uma psiquiatra.

Steven Soderbergh vem prometendo se aposentar como diretor desde 2011, mas esse é o seu segundo filme de lá para cá. Se "Terapia de Risco" realmente for o seu adeus ao Cinema, ele o faz com um filme se não perfeito, com qualidade inquestionável. O longa tem seus defeitos, não é a sua melhor obra, mas gostando ou não do rumo tomado, funciona muito bem como suspense, e consegue surpreender.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A Morte do Demônio

★★★☆☆
Bom

Texto com pequenos spoilers.

Remake de um dos filmes de terror mais celebrados do cinema, "Evil Dead" (no original) estreou sobre forte alarde, com uma pré-estreia que causou muitos comentários nas redes sociais, inclusive de pessoas que não aguentaram ver o filme até o final — aquele blá blá blá de sempre, quando o assunto é filmes de terror atuais.

Mas essa nova versão nem de longe tem o mesmo "charme" do original. Por charme eu quero dizer o fator trash, meio amador, que um orçamento de apenas $350.000 proporciona a um filme com muitos efeitos especiais. O novo "A Morte do Demônio" saiu do papel já com status de grande lançamento, e foi distribuído por um grande estúdio (Sony), algo que Sam Raimi sequer poderia sonhar quando fez o original. Para se ter uma ideia, o orçamento de "A Morte do Demônio" ($17.000.000) foi maior que outros filmes recentes do gênero como Mama, que usa muitos efeitos digitais e tem nomes mais chamativos no elenco, como Jessica Chastain.

Com a responsabilidade de ser um grande lançamento, vem a pretensão de ser um grande filme. E essa pretensão, que pode ser vista logo na frase que estampa o cartaz do filme, que atrapalha o resultado final. Sam Raimi, que agora aparece como produtor (assim como Bruce Campbell, o eterno Ash, que faz uma participação minúscula depois dos créditos), passou a responsabilidade de "reciclar" seu filme ao novato Fede Alvarez, um diretor uruguaio que até então só tinha feito curtas — o mais conhecido, "Ataque de Pânico" pode ser visto aqui. Ele não é só responsável pela direção, mas também pelo roteiro, que é também escrito pelas mãos de Rodo Sayagues e revisado por Diablo Cody.
Na nova trama, Mia está se recuperando de uma overdose de drogas e vai com seu irmão e seus amigos passar uns dias na cabana da família. No porão do lugar eles encontram o livro dos mortos, que desperta forças demoníacas que possuem os vivos.


Logo no início do longa já percebemos que será uma produção mais séria que o esperado. A trama carregada por problemas familiares e com drogas, nada lembra o tom escrachado e despretensioso do original, e de filmes mais recentes como "Arreste-me Para O Inferno" (do próprio Raimi) e "O Segredo da Cabana". Além disso, nota-se uma mudança de objetivo. Enquanto a trilogia de Raimi tinha como objetivo divertir os espectadores, o novo filme de Alvarez quer chocá-los. A violência/gore que antes fazia parte da experiência do filme, agora É a experiência. Talvez esse seja o principal pecado de "A Morte do Demônio". Há ainda as soluções fáceis de roteiro, como a ação que dá o ponta pé inicial na trama principal — uma pessoa supostamente inteligente que resolve ler em voz alta trechos de um livro feito com carne humana e escrito com sangue —, mas os fãs de filmes de terror (e eu sou um deles), que já estão acostumados com tamanhas asneiras, provavelmente não vão ligar muito para isso.

O lado técnico do filme chama a atenção com cenas interessante e sangrentas que são muito bem executadas. E o CGI, tão corriqueiro nos filmes atuais, só é usado quando realmente preciso. Fede Alvarez quis manter as raízes de Raimi e, com sua equipe, faz um bom trabalho com maquiagem e efeitos práticos — inclusive na cena em que Mia corta sua língua, diziam para Alvarez que seria melhor o uso de efeito digital, mas ele insistiu em fazer do jeito "mais difícil". E o resultado é bem convincente.
Mas não só a equipe de efeitos especiais merece menção. A trilha sonora de Roque Baños é excelente e prepara uma atmosfera tensa, já não bastasse o que acontece na tela.

O elenco jovem é na sua maioria fraco e decepciona. Só se salvam a bela Jane Levy (que começou a aparecer meio como uma Emma Stone genérica, na série Suburgatory), e Jessica Lucas (Cloverfield). Shiloh Fernandez, que faz no filme mais ou menos o papel que seria de Ash, só não é mais inexpressivo e sem carisma que Elizabeth Blackmore, sua namorada no filme. Lou Taylor Pucci fica no meio do caminho. Não tem grande atuação, mas também não compromete.


Apesar de ter um clima totalmente diferente, "A Morte do Demônio" também usa de referências ao original para se conectar com os fãs do clássico. O Necronomicon Ex Mortis foi atualizado para uma versão bem mais chamativa visualmente. Aliás, a fim narrativos, a semelhança entre os dois filmes termina aí. São filmes completamente diferentes. E não há só referências ao primeiro Evil Dead, mas também ao segundo, que recebeu o nome "Uma Noite Alucinante" aqui. Uma delas é uma cena durante o eletrizante clímax, que acontece sob uma chuva de sangue — se o filme já é uma, nesse momento ela se torna literal. Na batalha entre o último sobrevivente e o Demônio, ele fala "I'll feast on your soul!" e recebe a resposta "Feast On This, Motherfucker". Essa cena claramente lembra esse momento do segundo filme.

E construindo uma nova mitologia enquanto faz referências ao original, o "A Morte do Demônio" de Fede Alvarez, mesmo com seus defeitos, se faz notável dentre um gênero que carece de filmes relevantes. Não, não é "O filme mais apavorante que você verá", como é prometido, mas é um bom filme que vai agradar quem aprecia o gênero.