Por Israel Duarte,
Guilherme Cunha e Maiara Oliveira
Muitos pensam que
quem chega na terceira idade só vive para desfrutar do tempo livre,
sem se preocupar com trabalho ou estudo. Mas existe um certo grupo de
idosos que, em vez de ficar em casa vendo TV ou ir à praça jogar
damas, escolheu voltar a estudar por vontade própria. No Méier,
esse grupo se encontra três vezes por semana no terceiro andar da
galeria Oxford, onde funciona a UnATI (Universidade Aberta para a
Terceira Idade), uma universidade voltada para o público idoso, que
oferece estudos dos mais variados temas e atividades (como danças e
passeios), promovendo um envelhecimento saudável — mental e
fisicamente.
Coordenado pela assistente social e socióloga Leny Arienti, o projeto foi criado em 1992, na Universidade Gama Filho.
— Na primeira
turma, já fiquei apaixonada pelo trabalho porque você via pessoas
semi-alfabetizadas num crescimento, num estabelecimento de relações
sociais, então aquilo me despertou para um outro lado do ser humano
já no final… — diz Leny.
Após o fechamento da UGF, a UnATI foi incorporada à Universidade Cândido Mendes do Méier, em outubro de 2013, onde possui cinco salas. Desde então, os idosos do bairro e da redondeza ganharam uma nova opção de aprendizado, atividades e lazer.
Para muitos, a
UnATI não é apenas uma oportunidade de voltar a aprender, mas uma
forma de voltar à sociedade, de ter algo pelo que esperar. É o caso
de Magnólia de Castro, aluna há 16 anos:
— Depois que você
se aposenta, só fica arrumando a casa, vendo televisão e tudo mais.
E eu queria fazer alguma atividade. Me informaram que tinha a
Universidade Aberta a Terceira Idade e eu sabia que já tinha uma na
UERJ, mas lá o método é diferente. Aqui são 3 dias por semana,
nós temos 9 aulas diferentes, as aulas são muito boas porque a
maioria dos nossos professores tem pós-graduação e se dedicam
mesmo.
Leny Arienti, coordenadora da UnATI |
— Os horários eu
sigo como se fosse uma universidade, com horários semanais. Toda
terça, quarta e quinta tem essas aulas e sexta é o dia do
artesanato porque é um grupo que gosta muito de trabalhos manuais.
Não é um artesanato comum. É um artesanato mais individualizado,
mais de criação e acho que é importante manter essa sua
criatividade em funcionamento. É muito bom para o ser humano em
qualquer momento da vida, principalmente na terceira idade.
“A aula é tudo”
Ela afirma ainda
que a professora de psicopedagogia está dando para uma das turmas o
mesmo conteúdo que dava na universidade e os alunos estão
conseguindo acompanhar. Quando ela trabalha um tema, aplica, fazendo
uma dinâmica, trabalhando a memória. Além das aulas voltadas para
psicologia, a UnATI ainda tem aulas de História (do Brasil e da
Arte), aulas voltadas à saúde, como Nutrição e Como Cuidar da
Saúde, e até noções básicas de Direto. Há também as aulas
práticas, para estimular a memória, equilíbrio e criatividade,
como o artesanato, dança sênior e o coral, conduzido pelo maestro
Geraldo Caputo.
— É um leque que
varia muito. Já tivemos até aula de sexualidade humana. E de acordo
com os interesses dos alunos a gente vai montando esses horários,
como uma universidade mesmo. Só que sem a obrigatoriedade da
presença e de provas. A gente não é obrigado, como quem está em
uma formação, a seguir aquilo. Aqui é diferente porque pode ser
diferente, não tem obrigação da graduação. Então a gente pode
ir atendendo aos interesses. — Explica Leny, ainda completando. —
A UnATI está sempre mudando e acho que isso é a beleza desse
trabalho. Um semestre não é igual ao outro. Semestralmente mudamos
as aulas. É um trabalho… Eu peno para montar as aulas. Vocês
viram ali o que está escrito? — aponta para um papel no mural
escrito “Horário definitivo graças a Deus!” — Foi tão
difícil que às vezes você está terminando a grade e um professor
diz que não pode mais em um determinado horário. Aí muda tudo. Mas
é um trabalho maravilhoso.
Segundo ela, qualquer oportunidade de fazer exercício é importante. Por isso, já é de praxe: uma vez por mês a aula termina mais cedo para que todos possam ir ao show de Márcio Gomes (cantor que interpreta músicas da Era do Rádio), no Imperator.
— Acho que faz
parte essa parte cultural também, é importante. Ele canta músicas
que elas gostam, é um exercício de memória. Porque quando você
vai cantando as músicas antigas, você vai recordando e a memória
está funcionando. A aula é tudo. — Afirma Leny.
Regina Alencar: "Entendo que a UnATI é visionária no sentido de prevenção das síndromes crônicas degenerativas." |
— Aqui é um lugar
de interação social. Primeira coisa é isso: você vai interagir
com o que não tem mais. Perda de amigos, de status financeiro,
familiares… Aqui você reconstrói isso. Eu acho bonito. No caso
dessa aula, são exercícios. Os exercícios vão mudando, mas eu
foco nessa área da cognitividade. Memória sensorial, paladar,
degustar, o lado perceptivo.
População idosa
deve crescer nos próximos 5 anos
Segundo o censo
demográfico de 2010 (IBGE, 2011), a população brasileira hoje é
de 190.755.199 milhões de pessoas, sendo que 51% são mulheres e 49%
são homens. O contingente de pessoas que tem 60 anos ou mais, é de
20.590.599 milhões (aproximadamente 10,8 % da população total). E,
segundo as projeções recentes, este segmento passará a 15% em
2020. O estudo ainda aponta que, confirmadas as tendências esperadas
de mortalidade e fecundidade, a população do Brasil tende a dar
continuidade a esse processo de envelhecimento.
Por isso, Regina considera a UnATI visionária no sentido de prevenção das síndromes crônicas degenerativas, como o mal de Alzheimer.
— A UnATI tem o
objetivo de integrar essas pessoas da terceira idade numa interação
social. Porque elas pensam, divergem das ideias, se atualizam. Então
o trabalho aqui basicamente é atenção, memória, linguagem… Eu
penso que a UnATI tem uma visão de futuro de prevenção desses
quadros hoje, das demências crônicas degenerativas, como o
Alzheimer, que é a que mais surge — avalia.
Especializada em psicogeriatria, a professora ainda comenta sobre suas aulas:
— Eles têm uma
vivência incrível. Eu procuro trabalhar com essa coisa positiva
deles. Isso chama-se Memória Autobiográfica. Porque, se eu posso
falar de mim, se eu posso dizer quem eu sou, eu ainda tenho muito de
mim em mim mesmo. Então eu estou num grau considerado de
envelhecimento que chamamos de senescência, que quer dizer algo
normal, não patológico.
A importância da UnATI no Rio de Janeiro fica ainda mais clara ao ser revelado pelo Censo 2010 que a cidade tem a maior quantidade de idosos do Brasil. Nove dos dez bairros brasileiros com maior proporção de idosos encontram-se na capital fluminense. E o Méier é o segundo bairro com o maior número de idosos, apenas atrás de Copacabana, que tem cerca de 3,3 idosos para cada dez habitantes. Para Leny, a UnATI é um local para eles se organizarem e ter uma convivência, para viverem.
— Tem que aprender
a viver, não é? Nós temos que ser velhinhos agradáveis, temos que
continuar na sociedade simpaticamente, até para não nos isolarem.
Aí você não se isola porque sabe das coisas, você conhece, sabe
dialogar, tem conversa na família, tem conversa na fila do banco,
entendeu? Você tem o que dizer.
Alunos viajam e vão a exposições
A coordenadora
conta que sempre promovem viagens e passeios a sítios, pontos
turísticos, museus e exposições em geral. Além dessas atividades
pela universidade, os próprios alunos se unem para viajar, muitas
vezes até para fora do país, como conta Magnólia, aposentada de 72
anos:
Magnólia: "Estou com 72 anos e me sinto melhor do que muita gente de 50." |
Na contramão da maioria dos alunos, que vem para a UnATI para voltar a ter atividades, a assistente social aposentada Georgina Braga, de 65 anos, até hoje tem uma vida bem movimentada e atuante na área social:
— Sou presidente
atual do Lions Club Cachambi e secretária da Associação de
Moradores do Méier. Então eu tenho muita atividade, mas também é
importante essa atividade, porque as outras são um outro foco. No
caso do Lions, servir ao próximo, muita feira de saúde e tudo mais;
a associação de moradores é o que busca sempre o melhor para os
moradores do Méier, fazendo reivindicações junto aos órgãos onde
existem as necessidades dos moradores. E na UnATI é um outro momento
que eu vivo, é um momento exatamente meu. Eu tenho minhas amizades.
Tenho muitas amigas desde a época da Gama Filho que fazemos grupos
de viagens, nos reunimos fora UnATI, comemoramos aniversário, dia
das mães, do amigo. Acho que é um momento que você relaxa, faz
coisas com outras pessoas, troca ideias, dá sugestões, ouve
opiniões e tem apoio de amigos — afirma.
Alunos são
mulheres em sua maioria
Apesar de alcançar
um grande número de idosos e fazer tão bem a eles, o público da
UnATI é majoritariamente feminino. Homens são minoria nas salas.
Georgina conta que seu marido, apesar de apoiá-la, não a acompanha
por “ter outra cabeça”.
— O homem ainda
não aprendeu como é bom viver desse jeito. Não vou dizer que seja
um machismo, mas na cabeça do homem, ele se aposenta e o máximo que
vai fazer é jogar um buraquinho na praça. Então você vê que as
mulheres vivem melhor e mais tempo que o homem porque elas ficam mais
dinâmicas, têm uma atividade, fazem um passeio… O homem da nossa
geração teve uma formação diferente. “Isso não é coisa para
homem. Homem fica em casa, ou trabalha, ou vai conversar com outro
homem, ou vai ficar lendo jornal”. Ou seja, aposenta e troca o
uniforme ou paletó e gravata pelo pijama. Fica em casa fazendo nada,
adoece mais fácil, encuca mais fácil… Você vê que as mulheres
estão vivendo muito mais tempo que os homens porque elas saem de
casa e vão buscar. Agora, o homem da nova geração quando chegar na
minha idade já vai ter uma outra visão — analisa.
Apesar de homens ainda serem raridade nas salas da UnATI, isso pode estar começando a mudar. A professora Regina conta:
— Tem um caso de
um senhor que dizia que não queria vir para cá, queria ficar no
computador dele. Mas acabou ficando surpreso com o nível dos
professores, aprendeu muita coisa e ficou.
O Futuro
Casos como esse
motivam ainda mais os professores a continuar o trabalho. E com a
prospectiva das pessoas cada vez viverem mais, a UnATI tem tudo para
continuar crescendo, levando valor a terceira idade e fazer com que a
sociedade reconheça o valor dela. Leny fala que o futuro da
instituição é seguir pelo mesmo caminho:
— Estar sempre se
atualizando, estar sempre ouvindo o outro, sempre buscando formas de
convivência, de discussão também, buscando uma conscientização
maior, até política. Eu acho que a pessoa tem que saber do que está
acontecendo, para se posicionar, para ser ouvido na família e ser um
esteio dela também.