terça-feira, 21 de agosto de 2012

Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge

★★★★☆
Ótimo

Sou fã declarado do Christopher Nolan. Acho um dos melhores diretores de sua geração. Ele sabe como poucos criar e dirigir filmes dos temas mais variados sem soarem bobos e desnecessários, sejam filmes mais modestos ("Amnésia", "O Grande Truque") ou blockbusters ("A Origem", trilogia Batman). É um diretor que sabe muito bem trabalhar com o orçamento que tem. Se tem pouco, faz um trabalho simples e direto, e com muito dinheiro, faz um espetáculo.
Tendo sucesso nos seus últimos filmes, Nolan teve carta branca da Warner Bros para usar 250 milhões de dólares no desfecho da trilogia do Batman. E ele apresenta um filme épico que encerra a jornada do Guardião de Gotham com perfeição, ou quase isso.

Assim como em "O Cavaleiro das Trevas", o filme começa com um prólogo incrível (completamente gravado em IMAX) onde o vilão é apresentado. No filme anterior foi um tenso assalto a banco planejado pelo Coringa. Em "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" temos a espetacular fuga de Bane de um avião, após ter sido capturado pela CIA. O mais impressionante dessa cena é que a fuga foi toda gravada sem efeitos digitais. Dois aviões são utilizados (um é destruído), vários dublês, câmeras IMAX (que pesam mais de 100 Kg) e uma montanha de dinheiro, sem dúvida.

Onde o filme fica em relação a trilogia

"The Dark Knight Rises" fecha muito bem a trilogia. Não diria que é melhor que "The Dark Knight". Na verdade é até meio difícil comparar pois "Ressurge" tem um clima diferente do anterior. Aqui é algo mais político, uma história mais densa, com mais camadas. Gotham é mais uma vez feita refém, mas é uma situação sem precedentes. O terror causado por Bane é mais alarmista que o de Coringa. Enquanto Coringa queria aterrorizar as pessoas (com muita dinamite, pólvora e gasolina), Bane quer destruir a cidade, até não sobrar nada.  E apesar de ser sequência de TDK, o filme tem mais ligações com "Batman Begins". De TDK apenas elementos do final do filme são lembrados (principalmente a morte de Harvey Dent), mas de Begins, toda a história da Liga das Sombras é revisitada.

O desafio de superar o Coringa

Em TDK tínhamos o Coringa, um agente do caos que queria apenas implantar terror, sem "segundas intenções". Já em TDKR, Bane é um mercenário terrorista que quer literalmente destruir a cidade de Gotham, desde a sua economia (fazendo um link com a situação econômica atual no mundo) até a cidade em si, explodindo uma bomba nuclear.
Cabe ao Batman, que desapareceu desde que assumiu a culpa pelos crimes e pela morte de Harvey Dent, há 8 anos, a tarefa de parar Bane, um gigante que não sente dor e que tem um exército de mercenários ao seu comando. Só que Bruce Wayne carrega na pele (e nos ossos, cartilagens, músculos etc) as marcas da época em que enfrentou o Espantalho, Ra's Al Ghul, Coringa e Duas Caras. Ele se vê forçado a sair do seu exílio e arrumar um jeito de "ressurgir" o Batman, apesar das limitações físicas. E isso custará muito caro. Alfred, que sempre o apoiou, teme pelo pior e tenta mostrar a Bruce que o corpo dele não é o mesmo de 8 anos atrás e que Gotham não precisa mais do seu alter ego. Bruce não o ouve e acha que esse talvez seja o momento para que Batman volte à ativa — e vale mencionar que a reaparição do Morcego é sensacional, em grande estilo.

A escolha pelo Bane foi sábia. Pra fechar a história, tinha que ser alguém que fosse fisicamente páreo para o Batman. Um inimigo que significaria um perigo real, que teria o poder de matá-lo. No início, antes do filme começar a ser gravado, rumores diziam que o vilão seria o Charada (inclusive que Johnny Depp o interpretaria). Mas o desafio com o Charada seria algo mais intelectual. Além disso, o Coringa de Heath Ledger já tinha um tom de mistério e usava artifícios enigmáticos (as formas como ele revelava as suas próximas vítimas, por exemplo). Com o Charada o filme correria o risco de repetir um elemento utilizado no filme anterior. E Bane era o inimigo perfeito. Não só forte, mas inteligente. Um vilão com ideologia, mesmo que deturpada. Isso lembra de algo, não? Ra's Al Ghul e a Liga das Sombras, que no início de "Batman Begins" pareciam legítimos, até conhecermos suas verdadeiras ideologistas extremistas. E ideologia é algo contagioso. Ao contrário de Coringa, Bane é alguém que tem um plano maior, de longo prazo (só a preparação de seu plano para Gotham levou meses, no mínimo) e o mais importante: seguidores dispostos a se sacrificar por ele e para que seu plano fosse concretizado — isso é bem mostrado no prólogo, quando um dos seus "irmãos", como ele mesmo o chama (o que mostra ainda mais uma relação baseada na fidelidade), aceita morrer de bom grado sabendo que eles já tinham "começado o incêndio". Já Coringa — que, ao contrário do que disse para enganar Harvey Dent, planejava, sim, mas não a longo prazo — agia por conta própria, não tendo seguidores, no máximo alguns capangas que o serviam por medo. E aí fica a dúvida: É pior um louco com ideologia, ou um louco que apenas quer ver o mundo pegar fogo, pela diversão, sem compromisso? O que é certo é que o Coringa devia estar se sentindo em casa no meio do caos criado por Bane.


Inclusive, a princípio, estava nos planos de Nolan a volta do Coringa no desfecho da trilogia. E seria sensacional se isso acontecesse. Se a cidade foi aterrorizada "apenas" com o Bane, imagine como seria com o Coringa à solta? Mas, como o Heath Ledger resolveu tomar algumas dezenas de remédios e morreu de overdose "acidental", os planos foram por água abaixo.

Tom Hardy não consegue ter uma atuação tão espetacular como a de Ledger — e com uma máscara de metal na cara, nem dava — mas mesmo assim ele está ótimo como Bane. Com sua expressão facial limitada, ele só poderia usar três elementos na sua atuação: o olhar, a postura e a voz. E ele tem sucesso em pelo menos dois desses três elementos. Seu olhar sempre consegue transmitir o que ele sente no momento. Seja raiva, tranquilidade, ou até vulnerabilidade, como numa cena mais pro final do filme, onde é revelado uma parte importante de seu passado. Com sua postura corporal, ele passa um ar de superioridade, de autoridade, mostrando que Bane é alguém para ser temido. Tom Hardy não é muito alto, apenas musculoso (se você já o achava musculoso em "Guerreiro", vai se surpreender mais ainda). Mas, com todo o seu trabalho de postura, auxiliado pela fotografia, que sempre se preocupa em filmar Hardy de baixo para cima com o objetivo de fazê-lo parecer maior, o 1,78m de Hardy parece se transformar em quase 2 metros. Já a voz é um fator que incomoda. Muito criticada nas primeiras exibições do filme por não dar para entender o que Bane dizia, sua voz sofreu mudanças e redublagens até chegar na que ouvimos hoje. Mas o que me incomodou não foi o efeito da voz, que achei que ficou bem legal, mas sim o modo de falar do Tom Hardy, ou o sotaque. Pelos trailers, sua voz parecia ser mais forte, imponente. No filme, como já ouvi de algumas pessoas, parece a voz de um velho ofegante. É compreensível que o motivo do som ofegante é por ele estar sempre respirando um gás que faz sua dor desaparecer. Mas é inegável que causa estranheza.

Hans Zimmer e Wally Pfister: essenciais na trilogia de Nolan

A fotografia, sempre destaque nos filmes de Christopher Nolan, é maravilhosa. Gotham, ainda mais do que em "Begins" e "O Cavaleiro das Trevas", ganha vida através das lentes de Wally Pfister, diretor de fotografia de praticamente todos os filmes de Nolan. Além de "truques" mais simples (como filmar Tom Hardy com um ângulo mais baixo), a fotografia do filme tem sucesso em cenas muito mais complexas, como as de ação, que são muito bem filmadas, além de ter quase uma hora de cenas gravadas em IMAX.

A trilha sonora de Hans Zimmer, mais uma vez, é primorosa. Um espetáculo a parte. Cria tensão quando é pra criar e emociona quando é pra emocionar. Mas, ironicamente, no momento de maior tensão (a primeira luta entre Batman e Bane) e de maior emoção (a conversa "definitiva" entre Bruce e Alfred) a trilha sonora para. É nula. A tensão e emoção são apenas apoiadas nas atuações. Principalmente quando Alfred abre o jogo com Bruce. Christian Bale e Michael Caine dão um show. Provavelmente é o momento mais emocionante de toda a trilogia. É de cortar o coração. Michael Caine, em especial, merece até uma indicação ao Oscar por Melhor Ator Coadjuvante. Sempre que ele aparece (mesmo aparecendo menos dos que nos filmes anteriores) o filme ganha qualidade. Até que não ganhe, mas um reconhecimento pelo seu trabalho seria justo.

Uma nova leva de personagens

Confesso que tinha receio quanto à Anne Hathaway. Mas ela faz um trabalho excepcional como Selina Kyle. Sua atuação com nuances inesperados fazem a personagem ser imprevisível. Os modos como ela muda suas expressões faciais e corporais são de quem sabe muito bem o que está fazendo. Ela passa de garota indefesa a femme fatale em um segundo. Muita gente vai continuar tentando compará-la com a Michelle Pfeiffer, mas são personagens, histórias e universos diferentes. Tirando a roupa preta e o nome, não há nenhuma semelhança entre as duas personagens. A gatuna de Anne Hathaway é uma espécie de Robin Hood moderno. O olhar e toda a expressão e entonação de voz da Selina Kyle quando ela fala para Bruce Wayne que os ricos de Gotham logo vão imaginar como eles pensaram que podiam viver com tanto e deixar tão pouco para o resto das pessoas, revela o ódio, o nojo, que ela tem dessa forma de viver dos ricos, ostentando o que tem enquanto muitos passam fome. Isso mostra bem que ela faz o que faz por um motivo, ao contrário da Mulher Gato de Pfeiffer, que apenas faz o que dá na telha, além de procurar vingança.
Uma coisa interessante é que em nenhum momento Selina Kyle é referida como Mulher Gato. Mas as referências estão sempre lá. No baile de máscaras, após conversar com Bruce (e avisar da vindoura tempestade), ela sai da festa e o seu acompanhante fala pra Bruce que ele a "afugentou", como muitas vezes acontece quando uma pessoa tenta se aproximar de um gato, ou qualquer animal desconfiado. Esses tipos de metalinguagens e piadinhas estão sempre presentes em filmes do Batman, principalmente nos de Nolan.

Inclusive, no mesmo baile de máscaras Bruce Wayne é o unico a ir sem máscara. Como se ele próprio fosse a máscara do Batman, a verdadeira natureza de Bruce. Importante lembrar que isso já foi utilizado em "Batman Returns" quando o Bruce de Michael Keaton também se encontra com Selina Kyle num baile de máscaras e ambos são os únicos sem máscaras. É lá que um descobre a identidade do outro.


Outro pesonagem que vinha sendo bastante esperado pelos fãs é o Blake, interpretado por Joseph Gordon Levitt. Ele é um policial idealista que logo conquista a confiança do Comissário Gordon (Gary Oldman, mais apagado que em TDK, mas ainda assim muito bem) e vai crescendo ao decorrer da história. Assim como Miranda Tate, que começa apenas como uma possível parceira de Bruce Wayne na luta para melhorar a cidade e se transforma numa personagem importantíssima. Marion Cotillard está mais linda do que nunca, mesmo que a sua atuação seja burocrática.

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Interessante notar que todo o conceito do "Rise" do título, que foi traduzido como "Ressurge", mas na verdade é algo como "Ascende", é utilizado não somente na figura do Batman ao longo do filme. Logo antes do Bane derrubar o avião na sua fuga ele fala que o fogo "subia" (the fire rises), tinha começado; O Batman ascende duas vezes no decorrer do filme (a 2ª bem mais simbólica); Os policiais, que ficaram presos no túnel durante um bom tempo, ascendem no final e vão, praticamente sem armas, combater o exército de Bane. Eles sabiam que poderiam morrer, mas queriam lutar pela cidade e pela suas famílias, não importando o que acontecesse; E, por fim, depois de quase ser destruída, é a esperança que ressurge quando todos pensavam que tudo estava perdido e que Batman não voltaria mais.
O que eu quero dizer é que Christopher Nolan (que não só dirigiu, mas roteirizou toda a trilogia, junto com o seu irmão, Jonathan) faz questão de conectar tudo. Desde o título, até temas usados nos dois filmes anteriores que são revisitados aqui de alguma forma. Com outros diretores isso poderia ser usado de um jeito errado, fazendo parecer repetitivo, mas Nolan usa isso para aprimorar a história. E aí, mais uma vez, percebe-se como ele é um diretor diferenciado.



A trilogia de Christopher Nolan é o que sempre quisemos ver em filmes do Batman — e, por que não, filmes de super herói, em geral? Os dois Batman de Tim Burton tem seus méritos, mas não chegam aos pés do mundo que Nolan criou nesses três filmes. Muito menos aquelas duas bombas de Joel Schumacher. Esse universo de Batman é crível. É um mundo violento, corrupto, e nada colorido (ao contrário dos filmes antigos). E ao longo desses três filmes, aprendemos a nos importar com os personagens e suas histórias e, principalmente, com Gotham, que é a maior personagem nessa trilogia. "O Cavaleiros das Trevas Ressurge" não é um filme perfeito. Tem defeitos, sim, e alguns incomodam. Mas eles não chegam a comprometer o resultado final. O final é digno de aplausos (literalmente, nas duas sessões que fui o pessoal aplaudiu) e o filme fecha com louvores essa saga do Homem Morcego.