sexta-feira, 3 de julho de 2015

Uma universidade para quem não desistiu de aprender

Criada há 23 anos, UnATI ajuda a melhorar a qualidade de vida de idosos da zona norte

Por Israel Duarte, Guilherme Cunha e Maiara Oliveira

Muitos pensam que quem chega na terceira idade só vive para desfrutar do tempo livre, sem se preocupar com trabalho ou estudo. Mas existe um certo grupo de idosos que, em vez de ficar em casa vendo TV ou ir à praça jogar damas, escolheu voltar a estudar por vontade própria. No Méier, esse grupo se encontra três vezes por semana no terceiro andar da galeria Oxford, onde funciona a UnATI (Universidade Aberta para a Terceira Idade), uma universidade voltada para o público idoso, que oferece estudos dos mais variados temas e atividades (como danças e passeios), promovendo um envelhecimento saudável — mental e fisicamente.

Coordenado pela assistente social e socióloga Leny Arienti, o projeto foi criado em 1992, na Universidade Gama Filho.
— Na primeira turma, já fiquei apaixonada pelo trabalho porque você via pessoas semi-alfabetizadas num crescimento, num estabelecimento de relações sociais, então aquilo me despertou para um outro lado do ser humano já no final… — diz Leny.

Após o fechamento da UGF, a UnATI foi incorporada à Universidade Cândido Mendes do Méier, em outubro de 2013, onde possui cinco salas. Desde então, os idosos do bairro e da redondeza ganharam uma nova opção de aprendizado, atividades e lazer.

Para muitos, a UnATI não é apenas uma oportunidade de voltar a aprender, mas uma forma de voltar à sociedade, de ter algo pelo que esperar. É o caso de Magnólia de Castro, aluna há 16 anos:
— Depois que você se aposenta, só fica arrumando a casa, vendo televisão e tudo mais. E eu queria fazer alguma atividade. Me informaram que tinha a Universidade Aberta a Terceira Idade e eu sabia que já tinha uma na UERJ, mas lá o método é diferente. Aqui são 3 dias por semana, nós temos 9 aulas diferentes, as aulas são muito boas porque a maioria dos nossos professores tem pós-graduação e se dedicam mesmo.


Leny Arienti, coordenadora da UnATI
Segundo a coordenadora Leny, apesar de estar em vários lugares da cidade, não existem unidades da UnATI. Cada uma é independente, com sua direção e seus projetos. A do Méier, que conta com 176 alunos matriculados — entre 50 e 90 anos —, visa um lado mais universitário:
— Os horários eu sigo como se fosse uma universidade, com horários semanais. Toda terça, quarta e quinta tem essas aulas e sexta é o dia do artesanato porque é um grupo que gosta muito de trabalhos manuais. Não é um artesanato comum. É um artesanato mais individualizado, mais de criação e acho que é importante manter essa sua criatividade em funcionamento. É muito bom para o ser humano em qualquer momento da vida, principalmente na terceira idade.


“A aula é tudo”

Ela afirma ainda que a professora de psicopedagogia está dando para uma das turmas o mesmo conteúdo que dava na universidade e os alunos estão conseguindo acompanhar. Quando ela trabalha um tema, aplica, fazendo uma dinâmica, trabalhando a memória. Além das aulas voltadas para psicologia, a UnATI ainda tem aulas de História (do Brasil e da Arte), aulas voltadas à saúde, como Nutrição e Como Cuidar da Saúde, e até noções básicas de Direto. Há também as aulas práticas, para estimular a memória, equilíbrio e criatividade, como o artesanato, dança sênior e o coral, conduzido pelo maestro Geraldo Caputo.
— É um leque que varia muito. Já tivemos até aula de sexualidade humana. E de acordo com os interesses dos alunos a gente vai montando esses horários, como uma universidade mesmo. Só que sem a obrigatoriedade da presença e de provas. A gente não é obrigado, como quem está em uma formação, a seguir aquilo. Aqui é diferente porque pode ser diferente, não tem obrigação da graduação. Então a gente pode ir atendendo aos interesses. — Explica Leny, ainda completando. — A UnATI está sempre mudando e acho que isso é a beleza desse trabalho. Um semestre não é igual ao outro. Semestralmente mudamos as aulas. É um trabalho… Eu peno para montar as aulas. Vocês viram ali o que está escrito? — aponta para um papel no mural escrito “Horário definitivo graças a Deus!” — Foi tão difícil que às vezes você está terminando a grade e um professor diz que não pode mais em um determinado horário. Aí muda tudo. Mas é um trabalho maravilhoso.

Segundo ela, qualquer oportunidade de fazer exercício é importante. Por isso, já é de praxe: uma vez por mês a aula termina mais cedo para que todos possam ir ao show de Márcio Gomes (cantor que interpreta músicas da Era do Rádio), no Imperator.
— Acho que faz parte essa parte cultural também, é importante. Ele canta músicas que elas gostam, é um exercício de memória. Porque quando você vai cantando as músicas antigas, você vai recordando e a memória está funcionando. A aula é tudo. — Afirma Leny.


Regina Alencar: "Entendo que a UnATI é
visionária no sentido de prevenção das
síndromes crônicas degenerativas."
Para Regina Brandão Alencar, professora de psicopedagogia, tanto essa convivência quanto as aulas são vitais para a manutenção da saúde mental dos alunos:
— Aqui é um lugar de interação social. Primeira coisa é isso: você vai interagir com o que não tem mais. Perda de amigos, de status financeiro, familiares… Aqui você reconstrói isso. Eu acho bonito. No caso dessa aula, são exercícios. Os exercícios vão mudando, mas eu foco nessa área da cognitividade. Memória sensorial, paladar, degustar, o lado perceptivo.

População idosa deve crescer nos próximos 5 anos

Segundo o censo demográfico de 2010 (IBGE, 2011), a população brasileira hoje é de 190.755.199 milhões de pessoas, sendo que 51% são mulheres e 49% são homens. O contingente de pessoas que tem 60 anos ou mais, é de 20.590.599 milhões (aproximadamente 10,8 % da população total). E, segundo as projeções recentes, este segmento passará a 15% em 2020. O estudo ainda aponta que, confirmadas as tendências esperadas de mortalidade e fecundidade, a população do Brasil tende a dar continuidade a esse processo de envelhecimento.

Por isso, Regina considera a UnATI visionária no sentido de prevenção das síndromes crônicas degenerativas, como o mal de Alzheimer.
— A UnATI tem o objetivo de integrar essas pessoas da terceira idade numa interação social. Porque elas pensam, divergem das ideias, se atualizam. Então o trabalho aqui basicamente é atenção, memória, linguagem… Eu penso que a UnATI tem uma visão de futuro de prevenção desses quadros hoje, das demências crônicas degenerativas, como o Alzheimer, que é a que mais surge — avalia.

Especializada em psicogeriatria, a professora ainda comenta sobre suas aulas:
— Eles têm uma vivência incrível. Eu procuro trabalhar com essa coisa positiva deles. Isso chama-se Memória Autobiográfica. Porque, se eu posso falar de mim, se eu posso dizer quem eu sou, eu ainda tenho muito de mim em mim mesmo. Então eu estou num grau considerado de envelhecimento que chamamos de senescência, que quer dizer algo normal, não patológico.

A importância da UnATI no Rio de Janeiro fica ainda mais clara ao ser revelado pelo Censo 2010 que a cidade tem a maior quantidade de idosos do Brasil. Nove dos dez bairros brasileiros com maior proporção de idosos encontram-se na capital fluminense. E o Méier é o segundo bairro com o maior número de idosos, apenas atrás de Copacabana, que tem cerca de 3,3 idosos para cada dez habitantes. Para Leny, a UnATI é um local para eles se organizarem e ter uma convivência, para viverem.
— Tem que aprender a viver, não é? Nós temos que ser velhinhos agradáveis, temos que continuar na sociedade simpaticamente, até para não nos isolarem. Aí você não se isola porque sabe das coisas, você conhece, sabe dialogar, tem conversa na família, tem conversa na fila do banco, entendeu? Você tem o que dizer.

Alunos viajam e vão a exposições

A coordenadora conta que sempre promovem viagens e passeios a sítios, pontos turísticos, museus e exposições em geral. Além dessas atividades pela universidade, os próprios alunos se unem para viajar, muitas vezes até para fora do país, como conta Magnólia, aposentada de 72 anos:
Magnólia: "Estou com 72 anos e me sinto
melhor do que muita gente de 50."
— Em 2009, conheci Portugal com umas amigas. E tem muitas meninas que já foram para Itália, França, Inglaterra. — Ela, que se formou na Gama Filho como professora de inglês e português, ainda aponta como a UnATI não a deixa se sentir só. — A pessoa que mora sozinha fica muito segregada porque não faz nada. Aqui se tem uma possibilidade de aprender, dividir e até ser menos crítico; aqui tem muita troca porque você vê mais de 100 pessoas trocando experiências com você. É uma maneira de você nunca se sentir solitário. Eu sou uma pessoa sozinha, mas não sou solitária. Estou com 72 anos e me sinto melhor do que muita gente de 50.

Na contramão da maioria dos alunos, que vem para a UnATI para voltar a ter atividades, a assistente social aposentada Georgina Braga, de 65 anos, até hoje tem uma vida bem movimentada e atuante na área social:
— Sou presidente atual do Lions Club Cachambi e secretária da Associação de Moradores do Méier. Então eu tenho muita atividade, mas também é importante essa atividade, porque as outras são um outro foco. No caso do Lions, servir ao próximo, muita feira de saúde e tudo mais; a associação de moradores é o que busca sempre o melhor para os moradores do Méier, fazendo reivindicações junto aos órgãos onde existem as necessidades dos moradores. E na UnATI é um outro momento que eu vivo, é um momento exatamente meu. Eu tenho minhas amizades. Tenho muitas amigas desde a época da Gama Filho que fazemos grupos de viagens, nos reunimos fora UnATI, comemoramos aniversário, dia das mães, do amigo. Acho que é um momento que você relaxa, faz coisas com outras pessoas, troca ideias, dá sugestões, ouve opiniões e tem apoio de amigos — afirma.

Alunos são mulheres em sua maioria

Apesar de alcançar um grande número de idosos e fazer tão bem a eles, o público da UnATI é majoritariamente feminino. Homens são minoria nas salas. Georgina conta que seu marido, apesar de apoiá-la, não a acompanha por “ter outra cabeça”.
— O homem ainda não aprendeu como é bom viver desse jeito. Não vou dizer que seja um machismo, mas na cabeça do homem, ele se aposenta e o máximo que vai fazer é jogar um buraquinho na praça. Então você vê que as mulheres vivem melhor e mais tempo que o homem porque elas ficam mais dinâmicas, têm uma atividade, fazem um passeio… O homem da nossa geração teve uma formação diferente. “Isso não é coisa para homem. Homem fica em casa, ou trabalha, ou vai conversar com outro homem, ou vai ficar lendo jornal”. Ou seja, aposenta e troca o uniforme ou paletó e gravata pelo pijama. Fica em casa fazendo nada, adoece mais fácil, encuca mais fácil… Você vê que as mulheres estão vivendo muito mais tempo que os homens porque elas saem de casa e vão buscar. Agora, o homem da nova geração quando chegar na minha idade já vai ter uma outra visão — analisa.

Apesar de homens ainda serem raridade nas salas da UnATI, isso pode estar começando a mudar. A professora Regina conta:
— Tem um caso de um senhor que dizia que não queria vir para cá, queria ficar no computador dele. Mas acabou ficando surpreso com o nível dos professores, aprendeu muita coisa e ficou.




O Futuro

Casos como esse motivam ainda mais os professores a continuar o trabalho. E com a prospectiva das pessoas cada vez viverem mais, a UnATI tem tudo para continuar crescendo, levando valor a terceira idade e fazer com que a sociedade reconheça o valor dela. Leny fala que o futuro da instituição é seguir pelo mesmo caminho:
— Estar sempre se atualizando, estar sempre ouvindo o outro, sempre buscando formas de convivência, de discussão também, buscando uma conscientização maior, até política. Eu acho que a pessoa tem que saber do que está acontecendo, para se posicionar, para ser ouvido na família e ser um esteio dela também.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Folha Em Branco


A sua lixeira cheia de bolas de papel amassado contrastava com a sua mente vazia de ideias. Pensamentos passavam por sua cabeça, mas eram desconexos, não formando uma linha de raciocínio o suficiente para gerar uma crônica. Pensava em escrever sobre sua família, sua vida, sobre uma música, ou até sobre seu animal de estimação. Buscava personagens no seu cotidiano, mas nada encontrava. Até que, em um desses rascunhos, se pegou escrevendo sobre o ato de escrever.
Escrever, ele pensou, é algo tão puro quanto o ato de dar à luz a um filho, tão suave como o grafite que massageia o papel e tão extraordinário como o dedo que toca nas teclas do teclado e, por meio de um sistema tão complexo como as conexões neurais do nosso cérebro, faz as letras aparecerem na tela de um computador. O espaço em branco, para o escritor, é um doloroso desafio que é vencido a cada letra que surge. É uma tela pronta para ser pintada por palavras que podem se originar em sentimentos, emoções ou lembranças.
Dentre as formas de comunicação, a escrita não é a mais antiga, porém, é a mais capaz de vencer a efemeridade da vida. Tudo que sabemos hoje sobre nós mesmos e onde vivemos foi passado de geração a geração através de textos documentando ideias das mais variadas origens, como um físico registrando suas descobertas ou um poeta expressando seu olhar sobre a vida.
Como um homem de palavras que sempre foi, encontrava mais entusiasmo no processo de entender a si mesmo e o mundo em sua volta através de palavras do que de números. Ainda assim, sabia o valor deles, afinal, os dois já foram um, na Roma Antiga. Entretanto, pensava que os números eram exatos demais, diferente da vida e sua subjetividade.
Escrever é algo que vem de dentro pra fora. É a externização do mais profundo que há no ser humano. Ao contrário de artes como música ou pintura, uma pessoa não precisa ter um talento especial para compor um texto. Se ela conseguir transmitir sua ideia e respeitar a gramática,  já é o bastante. "Eu mesmo sou a prova disso.", considerou. Já a inspiração, fundamental para um escritor principiante e apenas bem vinda para um profissional — que precisa aprender a escrever sem tê-la —, é uma das melhores visitas que o escritor pode ter. Por vezes inconveniente, ela o visita em sua cama, quando está tentando dormir, na rua, ou até no banheiro. Essa "entidade" não respeita tempo nem lugar. E isso o fazia amá-la e odiá-la.
A inspiração é responsável por seus devaneios, a materialização em palavras de seus anseios e dúvidas e, além de tudo, nunca pede nada em troca. Ela vem, dá o ar que o escritor inspira e exala em forma de letras e vai embora. E, enquanto ela partia, sem data para voltar, ele contemplava aquela folha completa de palavras e percebia que, ele próprio, estava completo. Ao menos até a próxima folha em branco.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

O Lobo de Wall Street

★★★★★
Excelente

Como é bom quando vemos que um diretor de alto calibre como Martin Scorsese não perde a manha. Enquanto outros grandes nomes, como Steven Spielberg e Ridley Scott, revezam filmes bons com medíocres, Scorsese mantém o alto nível constante. Além disso, ele se acostumou como poucos aos novos tempos. Uma prova é o seu filme anterior, o belíssimo "A Invenção de Hugo Cabret", que tem um dos melhores 3D já vistos no Cinema.

Em sua nova obra, o diretor conta a infame história real do corretor da Bolsa Jordan Belford (Leonardo DiCaprio), o "Lobo de Wall Street", apelido ganho por enriquecer a custas dos outros. Já com o sonho de ganhar muito dinheiro, ele consegue um emprego em Wall Street aos 22 anos. Quando as coisas pareciam estar dando certo, vem uma crise que derruba as bolsas e Belford acaba na rua, junto com vários corretores. Ele descobre, então, um mercado de ações de baixo valor, onde, com a experiência ganha no seu antigo emprego, consegue rapidamente se dar bem enganando pessoas simples. Depois de trazer vários amigos para o negócio, ele abre a sua própria empresa, a Stratton Oakmont, que cresce e vai ganhando notoriedade, até entrar no radar do FBI.

A mudança de vida de Jordan não é vista somente na sua conta bancária. A riqueza traz um mundo de drogas, sexo e festas no qual o protagonista acaba envolvido. O superego do personagem é suprimido por seu modo de vida frenético, que envolve orgias na própria empresa, e viver quase que permanentemente drogado por vários tipos de entorpecentes. De alguma forma, lembro de muitas celebridades teens que, ao se deslumbrarem com o dinheiro, perdem a noção, talvez por alguma necessidade de se autoafirmar, pela adrenalina ou apenas porque acham que pode, por acreditarem que são protegidos pelo dinheiro. E na maioria das vezes, são mesmo.

Uma das coisas que mais se destacam em "O Lobo de Wall Street" é o clima "over the top" que impera em sua maior parte. Dos diálogos, passando pelo consumo de drogas, até as cenas de sexo e nudez — que são muitas. Como o filme foi financiado independentemente, Scorsese não teve problema com censura de estúdios. Entretanto, mesmo assim, o filme sofreu cortes para que não pegasse a maior classificação etária, o que limitaria o seu mercado.

Um grande acerto do filme é a montagem. É frenética e intencionalmente "defeituosa", em momentos em que Jordan está sob o efeito de drogas, ou seja, durante boa parte do filme. Em sua maior parte, "The Wolf Of Wall Street" (no original), é uma comédia tão absurda que um desavisado pode pensar que é uma obra de ficção, sem vínculos com a realidade — o filme ganha tons mais dramáticos no terceiro ato. Mas a verdade é que a vida e os "feitos" do Jordan Belford real foram transpassados do livro autobiográfico para a tela de uma forma bem próxima da realidade, do abuso de drogas à forma como ele construiu seu império. Apesar do filme não mostrar o lado de suas vítimas, o embate moral está presente, na sua vida profissional e familiar. Tanto nós quanto Jordan, sabemos que suas ações eram erradas, mas o personagem sempre prefere pegar o caminho mais fácil em direção ao seu enriquecimento.


Vivendo agora em função do dinheiro — e do que vem com isso —, Jordan acaba se distanciando de sua família. O ápice é quando, já perseguido pelo FBI e forçado a fazer um acordo que entregará seus colegas, sua segunda mulher, Naomi (a linda Margot Robbie), avisa que vai deixá-lo, levando a filha deles. Ele surta, a agride, e tenta sequestrar a menina, mas acaba batendo o carro. Scorsese cria uma dos planos mais belos do filme quando o sangue da testa ferida de Jordan escorre pelo seu olho, formando uma lágrima. O uso da cor vermelha para designar culpa é uma das marcas do diretor, que a usa há décadas ("Os Bons Companheiros" é um ótimo exemplo). A expressão facial de DiCaprio ao "chorar culpa" acusa o momento em que o personagem, que quase machucou sua filha, se dá conta de tudo que fazia. Por mais que ferir financeiramente desconhecidos não o fizesse se sentir culpado, ao ferir fisicamente sua família, sua ficha cai. Ele estava prestes a entrar no ponto de não retorno de sua jornada (i)moral.

A sua queda, arquitetada pelo agente Patrick Denham (Kyle Chandler, de "A Hora Mais Escura"), desmantela seu império, e o força a viver sóbrio — das drogas e do dinheiro (seu vício preferido, como ele mesmo diz) —, o que chega a ser irônico, pois só então, perdendo tudo, ele recupera sua alma. Uma troca bastante justa, eu diria. Jordan Belford hoje vive ganhando dinheiro legalmente, como palestrante motivacional. Porém, mesmo ao se colocar no lugar de suas vítimas e imaginar ser uma situação terrível, ele não pensa em se retratar, ao menos pessoalmente, com seus credores.



O roteiro de Terence Winter, que é mais conhecido no mundo das séries (é o criador de "Boardwalk Empire", que Scorsese produz, e foi roteirista de "Família Soprano"), acerta em dar um tom cômico ao filme, que normalmente uma produção com tanto peso moral não teria. A maneira como o protagonista "conversa" com o público (a famosa "quebra da 4ª parede), explicando termos técnicos, causa uma maior aproximação entre personagem e audiência. E os personagens por mais inescrupuloso que sejam, provocam uma certa empatia no público — o que causou revolta nas vítimas do Lobo e seus comparsas.

Méritos também ao elenco, que aproveitou bastante a liberdade de improvisar concedida por Scorsese. Todos os atores dão o melhor de si e dão ainda mais força ao roteiro de Winter. Leonardo DiCaprio está impagável e consegue fazer seu personagem passear entre os extremos da insanidade e vulnerabilidade. Apesar das três horas de filme, eu assistiria mais dez minutos dele se arrastando e tentando entrar no carro. É uma pena que, mais uma vez, ele deve perder o Oscar e, dessa vez, para um colega de elenco: Matthew McConaughey (concorrendo por "Dallas Buyers Club"), que está ótimo em sua pequena participação, como o primeiro chefe de Jordan. Outro destaque é Jonah Hill. Se na época de "Moneyball" a sua indicação ao Oscar de Ator Coadjuvante causou certa estranheza, em "O Lobo de Wall Street" não há a menor dúvida.


Em um filme em que o que mais se vê é adoração (por parte dos personagens) ao dinheiro, sexo e drogas, o que fica no final é o sentimento que a simplicidade pode ser muita mais recompensadora. A cena final, com o agente Denham no metrô, junto com outros trabalhadores, faz uma forte antítese com o estilo de vida "living large" praticado por Jordan e pela maioria dos personagens do filme. E ainda mostra que coisas como voltar para casa de transporte público (algo que Jordan tinha usado para insultar o agente), acabam não importando diante da satisfação de conquistar algo com seu trabalho. Algo que Jordan Belford deve ter aprendido a essa altura. Ou não...

domingo, 12 de janeiro de 2014

Sobre as imagens do Blog.


Pois é, pessoal.
Ontem aconteceu a pior coisa na história do blog. Fiz uma cagada colossal e sem querer apaguei TODAS as imagens do meu blog. Uma salva de palmas para mim. E a maioria das imagens eu nem tenho mais no computador.

Pior que tudo começou porque eu quis editar uma foto. Abri o programa Fotos que tem na pasta do Google no celular e ele perguntou se eu queria fazer backup das fotos. Pensei "por que não?". Só que as fotos apareceram no Google +. Aí excluí uma pancada de fotos que eu não queria por lá. Inclusive as imagens do blog. Só que eu não percebi que estava excluindo as imagens do Google (onde o blogger é hospedado) e não da rede social. Burrice, eu sei. E esvaziei a lixeira. Nunca fiquei tão triste ao ver a Lixeira vazia.

Portanto, o blog ficará sem as imagens por um bom tempo. Pra falar a verdade, nem sei por onde começar. Acho que será pelos posts mais visitados. Fora que eu vou ter que lembrar das imagens que eu usei para ilustrar cada crítica. Será um trabalho demorado, de paciência.

Mas continuem visitando o blog. Até porque o mais importante é o texto e não as imagens. ;)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Saldo Cinematográfico de 2013 (e melhores filmes)

Lá se foi mais um ano. 2013 foi bastante bom — aliás não me lembro da última vez que tive dois bons anos seguidos. Em 2012, fiz o módulo I (Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica) do curso do crítico de Cinema Pablo Villaça. Ano passado fiz o Módulo II (Forma e Estilo Cinematográficos). O bom desses cursos é que, além de adquirir conhecimento na área, você acaba conhecendo pessoas legais e fazendo amigos. Alguns deles já considero muito e são importantes para mim.

No blog, não consegui manter a minha meta pessoal de 1 post por semana, mas foram 41 posts, o recorde até hoje. Além disso, inaugurei duas novas seções: "Curtas" e "Fora de Série", expandindo os comentários da telona para a telinha.

Em 2013 assisti a 300 filmes, 228 vistos pela primeira vez e 72 revistos. Abaixo vou postar os meus filmes preferidos lançados em 2013, seja aqui ou lá fora. Os filmes que estarão na lista são os filmes que mais me divertiram, fizeram pensar ou de alguma forma eu os achei relevante. Não ouso dizer que "O Homem de Aço" é melhor que "O Mestre", por exemplo. Mas, dentre os dois, é o que me divertiu mais. Portanto, essa lista é mais pessoal do que objetiva. E, obviamente, são os filmes de 2013 que eu vi até a data do post.

Gravidade

A primeira nota 10 que dou, desde "A Origem", de Christopher Nolan. O filme é de um primor técnico e narrativo impressionante. Cuarón fez o que tantos disseram que ele não poderia fazer. Um milagre da tecnologia.

"Há muito tempo eu não saía do cinema tão satisfeito. 'Gravidade' vai muito mais além do 'filme-catástrofe' — é um belo conto sobre renascimento e, mais que isso, evolução. Os méritos da obra vão muito além dos aspectos técnicos. A produção beira a perfeição, graças especialmente ao roteiro dos Cuarón e a atuação iluminada de Sandra Bullock. A metáfora do renascimento de Ryan Stone como uma pessoa evoluída é linda e muito bem apresentada."

Crítica: http://isduarte.blogspot.com.br/2013/10/gravidade.html

Django Livre

Tarantino consegue de novo. "Django Livre" é um filme não só divertido, mas relevante. O diretor trata a escravidão de um modo visceral e com uma certa sensibilidade, deixando seu humor característico para os momentos corretos e de violência catártica.

"O filme conta uma incrível história de ascensão de um escravo liberto. As cenas fortes estão ali para criar um sentimento de revolta no espectador, para que a vingança de Django seja mais "justificável", para que o público se sinta vingado. E Tarantino faz isso com muita competência."

Crítica: http://isduarte.blogspot.com.br/2013/02/django-livre-oscar-2013.html

Círculo de Fogo

"Pacific Rim"estreou cercado de expectativas e cumpriu cada uma delas. Mesmo com um roteiro meio frágil, é um filmaço de encher os olhos e mexer com a criança interior de cada um. Robôs e monstros gigantes povoam nossa imaginação desde pequeno, e Guillermo Del Toro nos presenteia com um espetáculo visual de proporções épicas.

"Mesmo sendo cheio de metal e monstros, "Círculo de Fogo" não é um filme bruto, artificial, mas sensível, que envolve o espectador, principalmente pela força de seus personagens. O elo que Guillermo del Toro cria entre Raleigh e Mako é muito bonito. É emocionante quando, perto do final do filme, Raleigh diz à ela "All I have to do is fall, Mako. Anyone can fall". É verdade que a fala teria ainda mais peso se o destino de seu personagem fosse diferente, mas, por tudo o que significa, pela construção da cena, e interpretação de Charlie Hunnam (que merece ser mais conhecido) é um momento comovente e importantíssimo para a história do filme."

Crítica: http://isduarte.blogspot.com.br/2013/08/circulo-de-fogo.html

A Hora Mais Escura

"Zero Dark Thirty" consegue ser extremamente eficiente ao fazer um apanhado dos anos de  investigações do paradeiro de Bin Laden e ao analisar o efeito que a obsessão pelo terrorista causou na personagem principal, Maya (Jessica Chastain). Não é um filme com muita ação, mas, quando a narrativa é de tão alto nível, ela não faz falta.

"A morte de Bin Laden desperta sentimentos variados nas pessoas envolvidas na operação. O membro dos SEALs que o matou, mal acredita — afinal ele acabara de fazer história — enquanto os outros do grupo ficam eufóricos. Já Maya por outro lado, após reconhecer o corpo do terrorrista, não consegue esboçar um sorriso. Depois de dedicar os últimos dez anos de sua vida apenas caçando um homem que virou sua obssessão, ela se sente aliviada, porém perdida quando tudo acaba. Ela não saber o que responder quando o piloto a pergunta onde quer ir é o retrato perfeito disso. A vida dela era o dever cívico que aos poucos foi virando um desejo de vingança (ela deixa bem claro seu objetivo de Matar Bin Laden). Não havia nada além disso. E o filme termina exatamente onde a vida da personagem principal deve realmente começar."

Crítica: http://isduarte.blogspot.com.br/2013/03/a-hora-mais-escura-oscar-2013.html

A Caça

Se não fosse por "Amor", eu poderia dizer que "A Caça" foi o filme mais pesado do ano passado. A direção de Thomas Vinterberg e a atuação de Mads Mikkelsen fazem nosso coração doer com a história de Lucas, um professor injustamente acusado de pedofilia.

"O diretor e co-roteirista Thomas Vinterberg (Tobias Lindholm também assina o roteiro) consegue fazer com que um elo muito forte se crie entre nós, espectadores, e o personagem principal já que, além de nós, só o próprio protagonista e seu filho acreditam em sua inocência. Nos sentimos testemunhas de seu sofrimento, e vítimas da inocência de uma criança."

Crítica: http://isduarte.blogspot.com.br/2013/04/a-caca.html 

Amor

Todos sabem que uma das especialidades de Michael Haneke é mexer psicologicamente ou emocionalmente com o seu público. Em "Amor", é provável que ele tenha chegado ao ápice. Poucos filmes já mostraram o lado não bonito da velhice. E mais, até onde as pessoas vão para terminar o sofrimento de seus amados (ou de si mesmos — a questão permanece).

"Se 'O Lado Bom da Vida' foi o filme mais fell good que concorreu ao Oscar 2013, 'Amor' pode ser considerado como o mais devastador. Michael Haneke nos apresenta uma imagem muitas vezes poética, mas não muito feliz sobre o fim da vida. É um filme sobre não só o amor, a face mais bela da vida, mas também sobre a mais temível e triste — a morte."

Crítica: http://isduarte.blogspot.com.br/2013/03/amor-oscar-2013.html

Segredos de Sangue

Na sua primeira incursão em Hollywood, o diretor coreano Park Chan-Wook (de "Trilogia da Vingança") faz um belíssimo trabalho — ainda que a beleza habite mais na estética do que na narrativa do filme.

"Park Chan-Wook não decepciona (...), compensando a fragilidade da narrativa na forma como ele utiliza recursos visuais e metafóricos para enriquecer o estudo de seu personagem principal"

Crítica: http://isduarte.blogspot.com.br/2013/06/segredos-de-sangue.html

Além da Escuridão - Star Trek

Depois do reboot de sucesso de Star Trek nos cinemas, J.J. Abrams voltou com tudo nessa sequência do filme de 2009, fazendo um dos melhores blockbusters do ano. O filme é uma releitura de "A Ira de Khan", só que mais divertido, com melhores efeitos (óbvio), personagens mais elaborados (Benedict Cumberbatch está sensacional como o vilão Khan) e uma direção bem inspirada.

O Homem de Aço

Um filme que muita gente não gostou, mas, se não chegou a superar, atingiu minhas expectativas. Reconheço que é um filme com problemas (principalmente no roteiro), mas ao meu ver, os pontos fortes superaram os pontos fracos.

"Com todos esses altos e baixos, Zack Snyder faz um filme um pouco problemático, mas divertido e eficiente, conseguindo honrar a grandeza que esse personagem representa para a cultura pop. O diretor desmonta o mito de perfeição do Superman, um herói que precisava se inovar e se adequar ao mundo de hoje — um mundo menos colorido (como sua roupa) e onde fazer o certo pode significar sujar suas mãos (como a decisão que ele toma perto do final)."

Crítica: http://isduarte.blogspot.com.br/2013/07/homem-de-aco.html

É o Fim

Um daqueles filmes que você ama ou odeia. No meu caso, amei, e achei a comédia do ano.

"A forma como os atores interpretam a si mesmos e zoam os estereótipos criados em torno deles e os seus próprios filmes é sensacional. Enquanto alguns, como James Franco, dão corda para eventuais rumores sobre sua sexualidade (os seus sentimentos por Seth Rogen caminham na linha da ambiguidade), outros vão completamente contra a imagem criada durante os anos. Michael Cera é o exemplo mais forte e tem, provavelmente, a melhor atuação de sua carreira. Ele está doidão, sem limites. Impagável!"

Comentário: http://isduarte.blogspot.com.br/2013/11/curtas-e-o-fim-vhs-2.html
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Outros filmes que merecem menção: O Mestre, Invocação do Mal, Frances Ha, Os Miseráveis, Killer Joe, A Indomável Sonhadora, The World's End, Terapia de Risco e Evil Dead

Melhores filmes que vi em 2012, independente do ano: Chinatown (1974), Peixe Grande E Suas Histórias (2003), Argo (2012), Luzes da Cidade (1931), Tucker & Dale Contra o Mal (2010), As Vantagens de Ser Invisível (2012), O Poder e a Lei (2011), Mississipi Em Chamas (1988), Detona Ralph (2012), Flores do Oriente (2011), Trainspotting (1996), Desconstruindo Harry (1997), Annie Hall (1977), Beijos e Tiros (2005), O Substituto (2011), Triângulo do Medo (2009), A Febre do Rato (2011), O Show de Truman (1998), Um Estranho no Ninho (1975), Bullying (2011),

domingo, 29 de dezembro de 2013

[Curtas] Especial Woody Allen

Eu não sou um exímio conhecedor da vasta filmografia de Woody Allen. Se vi metade de suas 48 produções, é muito. Mas como admirador de sua arte, decidi fechar 2013 com um especial desse roteirista/diretor, que pode ser pequeno em altura, mas é grande em genialidade. Aqui no blog eu só havia escrito um texto sobre "Meia Noite Em Paris", que, misteriosamente, foi apagado. Escolhi 7 filmes para comentar. O critério da escolha não foi por ordem de preferência ou fase da carreira (apesar da maioria ser da década de 70). Como tenho visto vários dos seus filmes, escolhi os que vi recentemente e, portanto, tenho mais base para comentar.

Bananas (1971)

"Bananas" foi apenas o terceiro filme da carreira de Allen e percebe-se que, mesmo ainda mostrando um pouco de inexperiência, ele já era genial. O humor, bem mais cru que em seus filmes atuais, lembra bastante Monty Python em alguns momentos, e, apesar de não tanto como em "O Dorminhoco", ainda há referências a Charlie Chaplin (a máquina que permite fazer exercícios sem parar de trabalhar remete a "Tempos Modernos", e o seu encontro com Stallone no metrô, junto com a trilha sonora do momento, lembra as caretas que Chaplin fazia em situações controversas). Destaque também para a piada com a trilha sonora — na sequência no quarto do hotel —, que é, na verdade, diegética. E isso tudo ainda fazendo uma crítica política aos EUA, que já chegou a "patrocinar" ditaduras na América Latina (e até no Oriente Médio) naquele tempo.
Mesmo apelando para um humor pastelão demais em alguns momentos, "Bananas" consegue divertir bastante ao trazer momentos hilários e de um humor bem sagaz.


A Última Noite de Boris Grushenko (1975)


Mais um filme do diretor que parece transbordar criatividade. Me impressiona como ele acha cenários tão diferentes e bizarros para fazer suas reflexões, e como elas são acompanhadas de humor de primeira categoria. As piadas com as palavras, com o idiota do vilarejo, as suas experiências com a morte e os momentos de subjetividade mental (quando "entramos" na mente dos personagens, no caso, Boris e Sonja) são alguns pontos altos do filme.
Como em outros filmes, até há vezes que as piadas não funcionam, mas os grandes momentos nos fazem relevar essas partes.
Apesar de ter algumas coisas que me incomodam, "Love And Death" (no original) talvez tenha lugar no meu Top 5 do diretor.

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977)

Meu preferido do Woody Allen até agora. Roteiro criativo e divertido, montagem perfeita, e boa atuação e direção do Allen. A Diana Keaton está demais e mereceu o Oscar.
O recurso da quebra da quarta parede, apesar de ser utilizado várias vezes, não cansa e é bem utilizado, pois funciona bem dentro do propósito do filme. Assim como a imaginação de Alvy o permite "conversar" com figuras do seu passado, ela também o permite conversar conosco.
"Annie Hall" (que recebeu um título bizarro no Brasil), é um filmaço, que não é só bem escrito, mas se utiliza muito bem da linguagem cinematográfica, se transformando num belo estudo sobre Cinema.

Manhattan (1979)


Ao mesmo tempo em que "Manhattan" é uma homenagem à Nova York (quando todos os personagens "abandonam" Isaac, ele ainda tem, e sempre terá, a cidade pela qual é apaixonado), o filme é um belo conto sobre a efemeridade do amor, dos relacionamentos e de nós, humanos. Não à toa Isaac e Yale discutem sobre toda a questão numa sala com vários esqueletos.
Um dos melhores filmes do Woody Allen, na minha opinião. Personagens interessantes, roteiro inteligente (como se isso fosse novidade), e uma ótima fotografia.


Rosa Púrpura do Cairo (1985)


Gosto muito de como o Woody Allen faz esse diálogo recorrente entre realidade e fantasia nos seus filmes — sendo a fantasia quase sempre mais interessante que a realidade. Apesar de eu não gostar tanto de "Meia Noite em Paris" (podem me chamar de insensível), curti bastante esse "A Rosa Púrpura do Cairo" e, ainda mais, "Desconstruindo Harry", por exemplo.
No geral, achei um bom filme, apesar de um pouco meloso e inocente demais em alguns momentos.

Desconstruindo Harry (1997)


Um dos filmes mais criativos e um dos melhores que vi até agora. Mais uma vez Woody Allen mistura realidade e ficção, mas dessa vez de uma forma bem mais eficiente e divertida que em "Rosa Púrpura do Cairo", por exemplo. É bem interessante a forma como o protagonista Harry pegava características de conhecidos para criar personagens.
E nesse filme vemos um Woody Allen mais "sujo", com um humor mais pesado. O sexo, por exemplo, sempre esteve presente em seus filmes, mas se você pegar obras mais recentes como "Vicky Cristina Barcelona", ou até "Match Point", nota que esse elemento é usado mais com um teor sensual do que sexual mesmo. Em "Desconstruindo" — como em outros filmes antigos de sua fase mais antiga —, Allen, aborda o tema sem frescura, não tão visualmente, mas na maioria dos diálogos, até porque o sexo faz bastante parte da vida do protagonista.
Gostei também da forma como o diretor brinca com elementos da linguagem cinematográfica, como o ator fora de foco (que funciona como metalinguagem), os vários cortes numa só sequência (que funcionam como pequenas elipses), etc.
Um grande filme.

Tudo Pode Dar Certo  (2009)


Um filme que já começa quebrando a 4ª parede (em "Annie Hall", o recurso é usado mais para frente) do jeito que o personagem de Larry David faz, ou será um filme descompromissadamente divertido ou vai acabar caindo na sua própria pretensão. Porém, vindo do Woody Allen, é mais provável que seja a primeira opção. E ele não decepciona.
O filme é cheio de diálogos geniais (principalmente por parte do Larry David, que interpreta uma versão do próprio Allen em filmes anteriores) e personagens que, a princípio, podem nem ser tão interessantes, mas que tomam rumos super inesperados, justificando a presença deles ali, e somam muito na história.
No elenco, Larry David e a sempre ótima Patricia Clarkson se destacam. Já Evan Rachel Wood não consegue convencer como "a menina sulista inocente". Até porque já faz um tempo que ela não tem cara de menina. Muito menos inocente. Achei que o personagem dela ficou muito caricato.
Depois de dois filmes mais sérios ("O Sonho de Cassandra" e "Vicky Cristina Barcelona"), Woody Allen volta para a Comédia, e para Nova York — quase como um retorno às suas origens. E ele volta inspirado. "Whatever Works" é um ótimo filme.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

[Curtas] É o Fim / VHS 2

É o Fim 

★★★★★
Excelente

Quem gosta de comédias escrachadas, que ignoram solenemente o politicamente correto vai adorar "This Is The End". É a melhor comédia do ano até agora e dificilmente será superada por outra. É aquele tipo de filme para ver com os amigos e dar muitas risadas.

A forma como os atores interpretam a si mesmos e zoam os estereótipos criados em torno deles e os seus próprios filmes é sensacional. Enquanto alguns, como James Franco, dão corda para eventuais rumores sobre sua sexualidade (os seus sentimentos por Seth Rogen caminham na linha da ambiguidade), outros vão completamente contra a imagem criada durante os anos. Michael Cera é o exemplo mais forte e tem, provavelmente, a melhor atuação de sua carreira. Ele está doidão, sem limites. Impagável!

O roteiro escrito pelo próprio Seth Rogen e Evan Goldberg não poupa ninguém e é bastante absurdo, mas no bom sentido — na trama, o apocalipse bíblico (pero no mucho) acontece enquanto vários artistas estão reunidos na casa de James Franco. É um filme non-sense que funciona muito bem. Fora que desde "Rebobine, Por Favor" não vemos a criação de um filme com tão poucos recursos. Explico: com o inferno solto na Terra, os atores se refugiam na casa de Franco. Eles, então, decidem fazer uma continuação de "Segurando As Pontas". O resultado é hilário. A referência a esse filme é apenas uma das muitas outras feitas durante os 107 minutos do longa.

O final é meio bobo, é verdade, mas não consegue comprometer a experiência e o resultado final, que é excelente.

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V/H/S/2

★★★★☆
Ótimo

Em 2012 foi lançado "V/H/S", uma antologia com 6 curtas (de 20 a 30 minutos) com histórias variadas de terror. O filme não é tão bom (a não ser se comparado com "The ABCs Of Death"), mas tem alguns bons momentos, como a primeira história, "Amateur Night".

Um ano depois saiu a continuação, "V/H/S/2", que é melhor que o original. Só o 3º segmento ("Safe Haven") já vale o filme. A tensão é construída com incrível destreza até culminar numa sequência de cenas bem sinistras e até perturbadoras. Essa parte é dirigida por Gareth Evans, que fez "Operação Invasão" ("The Raid"), um dos melhores filmes de ação dos últimos anos. Não à toa é a melhor! Mas mesmo assim, o segmento não é perfeito. Até vai um pouco longe demais, terminando de uma maneira um tanto... divertida, talvez? Mas, de qualquer modo, por todo seu desenvolvimento, é um dos melhores momentos do Terror de 2013, para mim.

Quanto aos outros segmentos, são legais. Alguns bons momentos, mas nada de sensacional também. "A Ride in the Park" (do zumbi) foi o que eu menos gostei. O "Phase I Clinical Trials" (do "olho biônico") e o "Slumber Party Alien Abduction" (da abdução) ficam no meio termo.
A trama "principal", que conecta os vários vídeos, parece estar lá apenas como desculpa para os curtas e é talvez o maior ponto fraco dos dois filmes. Por ser pouco explorada, falta informação e não dá para se envolver (ou entender) muito.

Recomendo "V/H/S/2" para quem gostou e até pra quem não gostou do primeiro.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Gravidade


★★★★★
Excelente


Alfonso Cuarón é um diretor que prima pela qualidade sobre a quantidade. Em quase 20 anos de carreira cinematográfica, ele tem apenas 6 longas em sua filmografia (e um segmento em "Paris, Eu Te Amo"), onde "E Sua Mãe Também", "Harry Potter E O Prisioneiro de Azkaban" e, principalmente, o seu último filme, "Filhos da Esperança", se destacam. Sete anos depois de "Filhos", o diretor mexicano reaparece com a que pode ser a obra prima de sua carreira.

"Gravity", no original, conta a história de Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e Matt Kowalsky (George Clooney), dois astronautas que, ao fazerem uma operação de rotina fora da nave, são surpreendidos por uma chuva de lixo espacial que destrói a nave e os deixa à deriva no espaço ligados apenas um ao outro por um cabo. Correndo contra o tempo, os dois terão que fazer de tudo para conseguir chegar à outra estação espacial e conseguir se salvar.

Eu nunca estive e, provavelmente, nunca irei ao Espaço, mas o que experimentei durante os 90 minutos de projeção de "Gravidade" deve ser a coisa mais próxima da experiência que é estar a centenas de quilômetros acima da Terra. O filme é de um primor técnico impressionante. A edição e mixagem de som, combinados com a fotografia de Emmanuel Lubezksi ("Árvore da Vida") imergem o espectador nesse "mundo" escuro e sem som. O design de produção recria o interior das naves e estações espaciais com detalhes impressionantes.


Esses elementos ainda são somados à câmera de Cuarón, que, num lugar onde é impossível a vida, parece viva ao passear pelo espaço, como numa bela dança, enquanto nos mostra a imensidão de um lugar tão hostil.
Em "Filhos da Esperança", já pudemos ver o apreço que o diretor tem por longos takes e planos-sequência, com dois planos de tirar o fôlego — um passado todo dentro de um carro e o outro seguindo o protagonista interpretado por Clive Owen em meio a uma revolta de rebeldes. Em seu novo trabalho, Cuarón mais uma vez cria com maestria planos que duram minutos, sejam apresentando os personagens, no início do filme, ou os seguindo em seus momentos de tensão.

É muito bonito, também, a forma como o diretor utiliza por várias vezes a câmera subjetiva, se aproximando do capacete do personagem, "entrando" pelo vidro e, enfim, assumindo o seu olhar. Outras vezes, querendo mostrar o que os personagens veem e suas reações, Cuarón usa um primeiríssimo plano, inteligentemente focando nos seus rostos e, pelo reflexo do vidro do capacete, exibindo o que acontece.


Essa subjetividade é importantíssima para nos fazer entrar na mente do personagem e sentir na pele o que ele passa. Porém, isso não teria efeito se não fosse o roteiro escrito pelo próprio Cuarón e seu filho, Jonas, a precisa montagem e as atuações maravilhosas de George Clooney e, principalmente, Sandra Bullock. Seis meses foi o tempo que sua personagem passou em treinamento para a missão no espaço e foi também o tempo que Bullock levou se preparando fisicamente para o papel, enquanto estudava cada detalhe do roteiro e de sua atuação junto com o diretor. O resultado é uma das melhores atuações do ano.

Dentro do limite de tempo, os dois personagens principais são bem desenvolvidos. Matt Kowaski é um astronauta prestes a se aposentar, boa pinta e bem humorado, que ajuda a aliviar a tensão em alguns momentos. Ryan Stone é uma médica em sua primeira missão espacial. Logo sabemos que ela recentemente sofreu uma tragédia pessoal e entendemos o motivo (ou um deles) que a levou a ir trabalhar no espaço. Apesar de continuar com seus deveres, depois do trauma ela para de viver. Esse elemento do seu passado a faz ficar a vontade com o silêncio oferecido pelo espaço.

[Desse ponto em diante, haverão spoilers sobre momentos-chave da trama do filme]


A partir desse momento, o verdadeiro significado do filme começa a se desenhar e podemos aos poucos perceber do que a história contada se trata. Já não estamos mais assistindo a um filme sobre uma astronauta em perigo, e sim, estamos testemunhando o renascer de uma pessoa. Isso é muito bem ilustrado com o belíssimo plano em que Stone, após conseguir entrar na estação russa e tirar seu equipamento, é enquadrada flutuando por alguns segundos em posição fetal enquanto descansa, remetendo a um bebê no útero.

Uma vez que o sentido principal é entendido, o filme deixa de ser apenas uma obra bonita, para se tornar algo intenso, uma experiência autêntica. Não há nada mais lindo do que o renascimento da vida numa pessoa — a vida como um sentimento, e não como um período de tempo. Interiormente, Ryan morre junto com sua filha. Não havendo mais pelo que viver, ainda na Terra, ela vivia o resto dos seus dias dirigindo, sem rumo, pois era assim que ela se sentia. Todavia, quando ela olha nos olhos da morte, várias vezes (sim, os obstáculos do filme parecem ser um pouco excessivos), ela descobre uma força que nunca imaginou ter. Se revela, então, um do maiores conceitos do filme: do ambiente mais estéril conhecido, nasce uma vida.


Mas Cuarón não para por aí. A última sequência, além de reafirmar a ideia do renascimento com Ryan "reaprendendo" a andar — no espaço, ela estava em gestação, como o plano já citado apresentou, enquanto seu nascimento se deu com sua chegada à Terra —, guarda um significado ainda mais profundo. Depois de quase se afogar, a personagem nada em direção a superfície, mas, alguns segundos antes disso, uma rã é vista também emergindo. A rã, que, como todos sabem, é o estado evoluído do girino após sofrer metamorfose, é inteligentemente posta nessa sequência em particular para indicar que Ryan evoluiu. Ela é um novo ser. E não só isso. Notem como a personagem, da água, vai lentamente se arrastando até a margem, até conseguir se levantar — como a vida terrestre teve início. A câmera ainda a enquadra de baixo para cima, a fazendo ficar maior e apontando sua mudança. Nesses segundos o diretor recria, ou melhor, personifica os milhões de anos de evolução na figura de Ryan Stone.

Por ser um filme quase todo passado no espaço e com muitas metáforas, comparações com o clássico "2001 - Uma Odisseia no Espaço" já foram feitas. Mas os dois diferem muito entre si. A obra de Stanley Kubrick se encaixa muito mais no gênero ficção científica que a de Cuarón, que pode ser classificado como um suspense dramático. Enquanto "2001" aborda a evolução numa maneira muito mais extensa (e ainda influenciada por terceiros), "Gravidade" é um filme muito mais pessoal, onde a evolução é intrínseca.


Com seu novo trabalho, Cuarón mostra que, para um filme ser genial, não precisa ter uma trama complicada. Mesmo quem não conseguir ler nas entrelinhas, poderá gostar do longa por sua simples história de superação da personagem de Sandra Bullock ante uma catástrofe e vários empecilhos. Algo muito diferente do próprio "2001", que é um filme tão comprometido com sua mitologia que não permite ao espectador que não entender a trama curtir o filme.

Há muito tempo eu não saía do cinema tão satisfeito. "Gravidade" vai muito mais além do "filme-catástrofe" — é um belo conto sobre renascimento e, mais que isso, evolução. Os méritos da obra vão muito além dos aspectos técnicos. A produção beira a perfeição, graças especialmente ao roteiro dos Cuarón e a atuação iluminada de Sandra Bullock. A metáfora do renascimento de Ryan Stone como uma pessoa evoluída é linda e muito bem apresentada. O filme, sem dúvida, já é um dos melhores do ano e será lembrado por muito tempo.

"It's time to stop driving. It's time to go home."

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

[Curtas] Invocação do Mal / Elysium / Guerra Mundial Z

Invocação do Mal

★★★★☆
Ótimo

Filme tenso do início ao fim. James Wan ("Sobrenatural", "Jogos Mortais") sabe criar o suspense como poucos diretores atuais. Quando ele cria o clima e o susto vem, você fica com raiva por ter tomado o susto. E quando ele cria o clima e o susto não vem, você fica com raiva porque queria ter tomado o susto. Ele te tem na mão o tempo todo. Sabe brincar com as expectativas dos espectadores e com os clichês do gênero, que, sim, tem em abundância.
Outra coisa que o diretor acertou foi não expor muito os espíritos, que raramente são vistos de corpo inteiro. Aliás, num momento em especial, não vemos NADA do espírito, que só é visto por uma personagem. E a sequência é aterrorizante. Essa sensação de não sabermos muito bem com o que estamos lidando, cria uma tensão maior ainda. Por sinal, um dos grandes defeitos de "Mama", outro filme de terror bem esperado esse ano, foi a super exposição do espírito.

Além disso tudo, o filme é esteticamente inteligente. Os movimentos de câmera e enquadramentos são bem legais e auxiliam na criação tanto das sequências mais leves (como a família conhecendo a casa nova), quanto das mais pesadas (as de assombração). As atuações também são ótimas, inclusive do elenco infantil.

Enfim, James Wan sabe o que faz. "Sobrenatural: Capítulo 2" vem aí. Que seja tão bom quanto o primeiro.

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Elysium


★★★☆☆
Bom

"Elysium" tem uma boa premissa, mas é prejudicado por alguns problemas sérios, como personagens unidimensionais e clichês, e o ritmo corrido, que não dá espaço para o desenvolvimento dos próprios personagens e de certos pontos da trama.

Mas, no geral, até que gostei do filme, mesmo com suas perceptíveis falhas.
E se Neill Blomkamp usa "Distrito 9" (que acho bom, mas não isso tudo que falam) como uma alegoria para discutir o Apartheid, "Elysium" pode ser interpretado como uma metáfora da situação da fronteira entre México e Estados Unidos.
Se Blomkamp tivesse trabalhado um pouco mais no roteiro, "Elysium" poderia ter sido um filmaço. Mas com suas falhas, ele consegue fazer "apenas" um bom filme.

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Guerra Mundial Z


★★★☆☆
Bom

Desde que vi o trailer pensei que eu não ia gostar do filme. Sou fã dos zumbis lentos e maquiados de George Romero, que realmente parecem mortos vivos. Pelo trailer já tinha dado pra perceber que os zumbis de “World War Z” pareciam super humanos, com incrível velocidade, capazes de dar longos pulos e, ainda por cima, criados por computação gráfica, os fazendo artificiais. Mas devo dizer que me surpreendi com o filme.

Essas questões realmente me incomodaram (os efeitos digitais são fracos para uma produção desse tamanho, e não só os zumbis são notadamente artificiais, mas outras coisas, como helicópteros e até pessoas “normais”), mas o filme tem vários pontos fortes que me fizeram relevar tais problemas. Um deles é a narrativa, que é legal por ser quase dividida em fases ou missões, parecendo um jogo. Mesmo assim, essas “fases” são bem amarradas, dando um ritmo fluido ao filme. O roteiro, que passou por 6 mãos até parar nas de Damon Lindelof (Prometheus, Star Trek) e Drew Goddard (O Segredo da Cabana), que tiveram que reescrever todo o terceiro ato, é bem eficiente e ainda apresenta uma solução original para, se não a cura da pandemia zumbi, que a humanidade ainda tenha uma chance. Fora outros elementos que foram adicionados por eles, como a asma de uma das filhas de Gerry (Brad Pitt), que poderia ser usada apenas como fator dramático ou de suspense em alguma cena, mas é inteligentemente usada para desenvolver a figura paterna de Gerry, que ajuda a filha
a superar uma crise da doença.

Por fim, Guerra Mundial Z não é um “filme de zumbi”, expressão que já virou praticamente um sub gênero. Não é uma produção em que um grupo de sobreviventes passa o tempo todo fugindo e se escondendo dos zumbis. Mas sim um suspense de investigação da origem de uma epidemia. Para ilustrar melhor, é uma mistura de “Contágio” com “Extermínio 2″. Há uma praga que transforma pessoas em mortos vivos, e a cura precisa ser encontrada antes que tudo seja perdido. Portanto, os zumbis movem a história, mas não são a história.
Mesmo com seus problemas, é um filme que funciona.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

[Fora de Série] Arrow - 1ª Temporada



Quando soube que iam fazer uma série do Arqueiro Verde, não levei fé nenhuma. Eu "previ" que seria cancelada logo na primeira temporada. Mas também, a única referência do Arqueiro que eu tinha na TV era em "Smallville", que era também a minha única referência de série de super herói. Se a pegada do Arqueiro e de "Arrow" fosse a mesma de Smallville, acho que não teria feito sucesso mesmo.

Mas eles inovaram. "Arrow" não tem o clima juvenil de "Smallville". É uma série mais densa e madura. Inclusive, dá pra perceber muito da trilogia do Batman, de Christopher Nolan, na série — dada as suas devidas proporções, é claro. A própria Starling City, que lembra muito Gotham, o realismo das cenas de ação (com lutas bem coreografadas), o senso de justiça que move personagem, o Arqueiro mudar sua voz, e até quando ele diz que o verdadeiro motivo de esconder seu rosto é para proteger as pessoas que ele ama.

Ainda tem duas outras coisas que gostei na série. Uma é o Arqueiro — ou "Capuz", como ele é chamado — não ser aquele herói 100% bonzinho, que praticamente prefere morrer do que matar alguém. Se tiver que matar bandidos, ele mata mesmo. Isso mostra como "Arrow" não é uma série inocente (assim como o mundo em que ele vive), onde valores podem ser facilmente separados por uma linha.
E a outra coisa é a forma narrativa escolhida para a série. Além do que acontece no presente, temos uma trama que nos conta por meio de flashbacks (que muitas vezes dialogam com o os acontecimentos do presente) o que aconteceu na ilha em que Oliver Queen ficou por 5 anos. É um excelente trabalho de roteiro e montagem. Acho até a trama da ilha mais interessante que a de Starling City. Por isso eu fiquei feliz por não terem terminado essa parte da história no season finale, que foi um dos melhores episódios de séries que assisti no ano — pareceu a própria versão do Cavaleiro das Trevas do Arqueiro Verde, pelo clima épico, com a cidade em perigo real, o embate final entre o herói e o vilão, e sacrifícios sendo feitos.


Vale destacar a atuação do Stephen Amell, que é muito reveladora, apesar de contida na maioria das vezes. Percebe-se a diferença no trabalho de voz e nos maneirismos do ator interpretando o Oliver de antes e de depois da Ilha. Pois realmente são dois personagens completamente diferentes. Um mauricinho e mimado, o outro sofrido e maduro, pelo peso do que ele viveu na Ilha e da responsabilidade atual.

A série tem outros personagens bem desenvolvidos, porém é nesse quesito que habita um dos principais problemas da produção, pois todos os clichês possíveis estão ali. Os personagens, como indivíduos, não são caricatos e tem, sim, uma certa complexidade, inclusive moral. Mas quando os observamos um pouco de longe, como "grupo", podemos perceber a formação de um padrão já utilizado incontáveis vezes em filmes e séries de heróis. Laurel (Katie Cassidy, "Gossip Girl") representa a paixão que o herói precisa abrir mão por causa de seu alter ego vigilante, Tommy (Colin Donnel) é o melhor amigo do herói que durante sua ausência, começa a ter um relacionamento com a ex-namorada do protagonista, John Diggle (David Ramsey, "Dexter") é o side kick que é a consciência de Oliver, o ajudando a se manter na linha, e Felicity Smoak (Emily Bett Rickards) é a hacker engraçadinha e atrapalhada, que costuma servir de escape cômico ("It feels really good having you inside me. And by 'you', I mean your voice. And by 'me', I mean my ear.").
Outros personagens importantes são Thea (Willa Holland, "The OC") e Moira Queen (Susanna Thompsom), irmã e mãe de Oliver, respectivamente, Walter Steele (Colin Salmon, de "Resident Evil), Tommy Merlin (John Barrowman) e o detetive Quentin Lance (Paul Blackthorne), pai de Laurel, que caça e eventualmente ajudar o Arqueiro ao longo da temporada.


Quando se coloca os prós e contras em comparação, todavia, esse tipo de problema não chega a ser tão incômodo, até porque nesse meio de produções baseadas em HQ, originalidade não é algo frequente de se ver. E "Arrow" não veio para inovar nesse quesito, e sim no sentido de trazer para a TV o que tem dado muito certo no Cinema: fazer com que o herói e o universo em que vive seja crível. Oliver Queen pode ser um mestre do arco e das artes marciais, mas ele apanha e sangra como qualquer ser humano. Outros personagens conhecidos da DC, como a Huntress (Jessica De Gouw) e o Deathstroke (Manu Bennett, de "Spartacus"), também aparecem, mas nunca como seres invencíveis, com habilidades sobre humanas. A série é toda construída levando em conta a verossimilhança.


Por todas essas qualidades, "Arrow" me surpreendeu, e muito. É uma excelente série que não subestima o espectador e merece ser vista não apenas por quem gosta de heróis. O roteiro mescla bem ação, drama, suspense e comédia, conseguindo agradar a todos os públicos.

A 2ª temporada começa dia 8 de outubro lá fora, e no trailer divulgado, Oliver não quer mais ser chamado de Capuz, e Canário Negro aparece. E o vídeo ainda dá a entender que o Capuz vai ficar um tempo sem aparecer (provavelmente pela perda sofrida no final da 1ª temporada). Provavelmente não será uma ausência de 8 anos, mas não deixa de ser mais uma semelhança com o Batman de Nolan.