domingo, 16 de fevereiro de 2014

O Lobo de Wall Street

★★★★★
Excelente

Como é bom quando vemos que um diretor de alto calibre como Martin Scorsese não perde a manha. Enquanto outros grandes nomes, como Steven Spielberg e Ridley Scott, revezam filmes bons com medíocres, Scorsese mantém o alto nível constante. Além disso, ele se acostumou como poucos aos novos tempos. Uma prova é o seu filme anterior, o belíssimo "A Invenção de Hugo Cabret", que tem um dos melhores 3D já vistos no Cinema.

Em sua nova obra, o diretor conta a infame história real do corretor da Bolsa Jordan Belford (Leonardo DiCaprio), o "Lobo de Wall Street", apelido ganho por enriquecer a custas dos outros. Já com o sonho de ganhar muito dinheiro, ele consegue um emprego em Wall Street aos 22 anos. Quando as coisas pareciam estar dando certo, vem uma crise que derruba as bolsas e Belford acaba na rua, junto com vários corretores. Ele descobre, então, um mercado de ações de baixo valor, onde, com a experiência ganha no seu antigo emprego, consegue rapidamente se dar bem enganando pessoas simples. Depois de trazer vários amigos para o negócio, ele abre a sua própria empresa, a Stratton Oakmont, que cresce e vai ganhando notoriedade, até entrar no radar do FBI.

A mudança de vida de Jordan não é vista somente na sua conta bancária. A riqueza traz um mundo de drogas, sexo e festas no qual o protagonista acaba envolvido. O superego do personagem é suprimido por seu modo de vida frenético, que envolve orgias na própria empresa, e viver quase que permanentemente drogado por vários tipos de entorpecentes. De alguma forma, lembro de muitas celebridades teens que, ao se deslumbrarem com o dinheiro, perdem a noção, talvez por alguma necessidade de se autoafirmar, pela adrenalina ou apenas porque acham que pode, por acreditarem que são protegidos pelo dinheiro. E na maioria das vezes, são mesmo.

Uma das coisas que mais se destacam em "O Lobo de Wall Street" é o clima "over the top" que impera em sua maior parte. Dos diálogos, passando pelo consumo de drogas, até as cenas de sexo e nudez — que são muitas. Como o filme foi financiado independentemente, Scorsese não teve problema com censura de estúdios. Entretanto, mesmo assim, o filme sofreu cortes para que não pegasse a maior classificação etária, o que limitaria o seu mercado.

Um grande acerto do filme é a montagem. É frenética e intencionalmente "defeituosa", em momentos em que Jordan está sob o efeito de drogas, ou seja, durante boa parte do filme. Em sua maior parte, "The Wolf Of Wall Street" (no original), é uma comédia tão absurda que um desavisado pode pensar que é uma obra de ficção, sem vínculos com a realidade — o filme ganha tons mais dramáticos no terceiro ato. Mas a verdade é que a vida e os "feitos" do Jordan Belford real foram transpassados do livro autobiográfico para a tela de uma forma bem próxima da realidade, do abuso de drogas à forma como ele construiu seu império. Apesar do filme não mostrar o lado de suas vítimas, o embate moral está presente, na sua vida profissional e familiar. Tanto nós quanto Jordan, sabemos que suas ações eram erradas, mas o personagem sempre prefere pegar o caminho mais fácil em direção ao seu enriquecimento.


Vivendo agora em função do dinheiro — e do que vem com isso —, Jordan acaba se distanciando de sua família. O ápice é quando, já perseguido pelo FBI e forçado a fazer um acordo que entregará seus colegas, sua segunda mulher, Naomi (a linda Margot Robbie), avisa que vai deixá-lo, levando a filha deles. Ele surta, a agride, e tenta sequestrar a menina, mas acaba batendo o carro. Scorsese cria uma dos planos mais belos do filme quando o sangue da testa ferida de Jordan escorre pelo seu olho, formando uma lágrima. O uso da cor vermelha para designar culpa é uma das marcas do diretor, que a usa há décadas ("Os Bons Companheiros" é um ótimo exemplo). A expressão facial de DiCaprio ao "chorar culpa" acusa o momento em que o personagem, que quase machucou sua filha, se dá conta de tudo que fazia. Por mais que ferir financeiramente desconhecidos não o fizesse se sentir culpado, ao ferir fisicamente sua família, sua ficha cai. Ele estava prestes a entrar no ponto de não retorno de sua jornada (i)moral.

A sua queda, arquitetada pelo agente Patrick Denham (Kyle Chandler, de "A Hora Mais Escura"), desmantela seu império, e o força a viver sóbrio — das drogas e do dinheiro (seu vício preferido, como ele mesmo diz) —, o que chega a ser irônico, pois só então, perdendo tudo, ele recupera sua alma. Uma troca bastante justa, eu diria. Jordan Belford hoje vive ganhando dinheiro legalmente, como palestrante motivacional. Porém, mesmo ao se colocar no lugar de suas vítimas e imaginar ser uma situação terrível, ele não pensa em se retratar, ao menos pessoalmente, com seus credores.



O roteiro de Terence Winter, que é mais conhecido no mundo das séries (é o criador de "Boardwalk Empire", que Scorsese produz, e foi roteirista de "Família Soprano"), acerta em dar um tom cômico ao filme, que normalmente uma produção com tanto peso moral não teria. A maneira como o protagonista "conversa" com o público (a famosa "quebra da 4ª parede), explicando termos técnicos, causa uma maior aproximação entre personagem e audiência. E os personagens por mais inescrupuloso que sejam, provocam uma certa empatia no público — o que causou revolta nas vítimas do Lobo e seus comparsas.

Méritos também ao elenco, que aproveitou bastante a liberdade de improvisar concedida por Scorsese. Todos os atores dão o melhor de si e dão ainda mais força ao roteiro de Winter. Leonardo DiCaprio está impagável e consegue fazer seu personagem passear entre os extremos da insanidade e vulnerabilidade. Apesar das três horas de filme, eu assistiria mais dez minutos dele se arrastando e tentando entrar no carro. É uma pena que, mais uma vez, ele deve perder o Oscar e, dessa vez, para um colega de elenco: Matthew McConaughey (concorrendo por "Dallas Buyers Club"), que está ótimo em sua pequena participação, como o primeiro chefe de Jordan. Outro destaque é Jonah Hill. Se na época de "Moneyball" a sua indicação ao Oscar de Ator Coadjuvante causou certa estranheza, em "O Lobo de Wall Street" não há a menor dúvida.


Em um filme em que o que mais se vê é adoração (por parte dos personagens) ao dinheiro, sexo e drogas, o que fica no final é o sentimento que a simplicidade pode ser muita mais recompensadora. A cena final, com o agente Denham no metrô, junto com outros trabalhadores, faz uma forte antítese com o estilo de vida "living large" praticado por Jordan e pela maioria dos personagens do filme. E ainda mostra que coisas como voltar para casa de transporte público (algo que Jordan tinha usado para insultar o agente), acabam não importando diante da satisfação de conquistar algo com seu trabalho. Algo que Jordan Belford deve ter aprendido a essa altura. Ou não...

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