segunda-feira, 16 de junho de 2014

Folha Em Branco


A sua lixeira cheia de bolas de papel amassado contrastava com a sua mente vazia de ideias. Pensamentos passavam por sua cabeça, mas eram desconexos, não formando uma linha de raciocínio o suficiente para gerar uma crônica. Pensava em escrever sobre sua família, sua vida, sobre uma música, ou até sobre seu animal de estimação. Buscava personagens no seu cotidiano, mas nada encontrava. Até que, em um desses rascunhos, se pegou escrevendo sobre o ato de escrever.
Escrever, ele pensou, é algo tão puro quanto o ato de dar à luz a um filho, tão suave como o grafite que massageia o papel e tão extraordinário como o dedo que toca nas teclas do teclado e, por meio de um sistema tão complexo como as conexões neurais do nosso cérebro, faz as letras aparecerem na tela de um computador. O espaço em branco, para o escritor, é um doloroso desafio que é vencido a cada letra que surge. É uma tela pronta para ser pintada por palavras que podem se originar em sentimentos, emoções ou lembranças.
Dentre as formas de comunicação, a escrita não é a mais antiga, porém, é a mais capaz de vencer a efemeridade da vida. Tudo que sabemos hoje sobre nós mesmos e onde vivemos foi passado de geração a geração através de textos documentando ideias das mais variadas origens, como um físico registrando suas descobertas ou um poeta expressando seu olhar sobre a vida.
Como um homem de palavras que sempre foi, encontrava mais entusiasmo no processo de entender a si mesmo e o mundo em sua volta através de palavras do que de números. Ainda assim, sabia o valor deles, afinal, os dois já foram um, na Roma Antiga. Entretanto, pensava que os números eram exatos demais, diferente da vida e sua subjetividade.
Escrever é algo que vem de dentro pra fora. É a externização do mais profundo que há no ser humano. Ao contrário de artes como música ou pintura, uma pessoa não precisa ter um talento especial para compor um texto. Se ela conseguir transmitir sua ideia e respeitar a gramática,  já é o bastante. "Eu mesmo sou a prova disso.", considerou. Já a inspiração, fundamental para um escritor principiante e apenas bem vinda para um profissional — que precisa aprender a escrever sem tê-la —, é uma das melhores visitas que o escritor pode ter. Por vezes inconveniente, ela o visita em sua cama, quando está tentando dormir, na rua, ou até no banheiro. Essa "entidade" não respeita tempo nem lugar. E isso o fazia amá-la e odiá-la.
A inspiração é responsável por seus devaneios, a materialização em palavras de seus anseios e dúvidas e, além de tudo, nunca pede nada em troca. Ela vem, dá o ar que o escritor inspira e exala em forma de letras e vai embora. E, enquanto ela partia, sem data para voltar, ele contemplava aquela folha completa de palavras e percebia que, ele próprio, estava completo. Ao menos até a próxima folha em branco.