quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

As Aventuras de Pi - Oscar 2013

★★★★☆
Ótimo

[Com Spoilers]

A pergunta que ficava no ar após fotos e trailers de "As Aventuras de Pi" serem lançados era: será só um filme esteticamente bonito ou a trama também valerá a pena?
E a minha resposta é que, sim, o filme vale a pena como um todo. Ang Lee não deu atenção apenas ao visual, que é espetacular, mas também nos presenteia com uma bela história de fé, sobrevivência e autoconhecimento. O filme foi indicado a 11 Oscar, e só fica atrás de "Lincoln", com 12 indicações.

O filme é sobre a vida de Piscine Patel, um indiano que desde pequeno mostra um interesse acima do normal por assuntos como religião, matemática e música. Seu pai é dono de um zoológico, o que o ajudou a estar sempre em contato com animais e com a natureza. Em certo momento de dificuldades, seu pai decide levar a família para o Canadá, onde poderá vender os animais do zoológico por um preço melhor do que na Índia. Durante a viagem eles são pegos por um furiosa tempestade, que afunda o navio e só Pi consegue se salvar. Só que, para piorar a situação, ele tem que dividir o bote com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala, que tem o curioso nome de "Richard Parker".
Vale destacar o incrível trabalho feito pela equipe de efeitos especiais. Os animais, digitais, são perfeitos. Principalmente o Tigre, que é o que mais aparece no filme. Em nenhum momento parece artificial.

Apesar da maior parte do filme ser centrada nesse desafio enfrentado por Pi, a sua infância também é apresentada, e com ela os acontecimentos que moldaram o seu caráter e a sua visão do mundo.
Assim como muitos em seu país, Pi cresceu dentro do hinduismo, porém, ainda criança, começa a questionar a "singularidade" de sua religião ao entrar numa igreja católica e aprender sobre Jesus Cristo. Mas, ao contrário do que a maioria faria, Pi não pretere uma religião à outra; ele se acha em todas elas ("Thank you Vishnu, for introducing me to Christ"). Enquanto seu pai, Santosh, homem racional que é, não aceita essa multi-religiosidade do filho, sua mãe, Gita, é compreensiva com suas descobertas religiosas, mesmo concordando com o pai que acreditar em tudo é o mesmo que não acreditar em nada. Mas a verdade é que, enquanto Pi descobria as religiões, ele estava descobrindo e aprendendo sobre si mesmo no processo.


Desde sempre morando próximo a animais, Pi se sente conectado à natureza porém, como o lado mais selvagem dela sempre esteve atrás de grades, ele não a teme como deveria... até o seu primeiro encontro com o tigre Richard Parker, quando o seu pai lhe ensina uma lição que valerá para sempre. É o primeiro grande ensinamento de sua vida.

Com esses dois pontos — sua relação com a religião e natureza — devidamente trabalhados, a história avança para o acontecimento capital da trama. Após o naufrágio do navio, Pi precisa aprender a sobreviver dividindo um bote com quatro animais. Para sua sorte (ou não), os outros animais, um por um, morrem, só sobrando o tigre e ele.

Durante os dias que se seguem, Pi vai lutar pela sua vida e aprender a maior das lições sobre a natureza, sobre Deus e sobre si mesmo. Tendo que conviver com um enorme tigre num espaço pequeno no meio do oceano, ele dá valor a lição que sei pai o ensinou, que os animais não pensam como os humanos, e que há um motivo para eles serem chamados "selvagens". Mesmo assim, é importante notar que o tigre em certos momentos chega a ser quase antropomorfizado, não corporalmente, claro, mas em suas atitudes e em seu olhar bem expressivo, que nos permite saber o que ele está sentindo — provavelmente para criar uma empatia do espectador para com o animal, e não só com Pi. Inclusive, em certo momento (até engraçado) em que os dois estão "disputando" seus lugares no bote, o tigre toma uma atitude claramente provocativa em relação a Pi.
Mas o perigo não se resume a figura de Richard Parker. No mar, há os tubarões que várias vezes aparecem a espreita do bote, a lém das tempestades que Pi e Richard Parker têm que enfrentar. Porém, em todos os momentos, Pi não perde a fé. E em sinais, como o céu sempre refletido na água, percebemos que Deus (ou deuses) sempre esteve ali perto dele.


"As Aventuras de Pi" realmente é um filme que tem um certo cunho religioso, mas o legal é que em nenhum momento ele toma partido de uma religião específica. É uma salada de religiões que acaba funcionando bem tanto para a história quanto para a discussão do assunto, já que até mesmo muitos dos que não tem uma fé, não acreditam num deus, consideram que a fé é algo que dá esperança e um sentido a vida às pessoas. E na situação de Pi, acreditar que Deus sempre esteve com ele foi essencial para não desistir. Essa forte fé, que independe de uma religião específica é algo belo. Porém, ainda mais do que sua crença significar ter algo em que se "segurar", ela funciona mais como uma "ponte" usada por Ang Lee para discutir o auto-conhecimento (em sua busca para entender os mistérios da fé e do mundo, ele descobria sobre si mesmo).
E isso nos leva à parte final do filme, quando Pi finalmente é resgatado e conta tudo o que passou para dois homens mandados pela companhia do navio que naufragou para tentar descobrir o motivo do náufrago. Eles não acreditam na história e falam para Pi que precisam de uma história crível, que a empresa acreditaria. Pi então conta uma história diferente, os homens dessa vez aceitam e partem. Só que na verdade tudo o que ele conta nessa segunda história é uma analogia do que realmente aconteceu.
Muita gente tem criticado o filme por ter mastigado demais essa analogia, mas devo dizer que discordo. Um filme com tantos significados, precisa se conectar com o público médio também. Eu mesmo na hora não fiz ligação da analogia com a história original. Se o escritor não tivesse explicado, eu até poderia vir a compreender o significado, mas depois de muito tempo.

 
No final, Pi se vendo como o Tigre foi uma sacada bem inteligente, e a sua frase "(...)The whole of life becomes an act of letting go, but what always hurts the most is not taking a moment to say goodbye" é ao mesmo tempo linda, e doída (e deve ser ainda mais para quem perdeu alguém próximo). A cena final resume bem isso: ao mesmo tempo em que ele, Pi, fica triste porque vê o Tigre (o seu único companheiro durante essa aventura) partir sem se "despedir", ele se vê como o Tigre, se desprendendo do passado, ou do seu velho "eu", sem olhar para trás.

Uma bela metáfora que coroa uma belo filme.

Life Of Pi
EUA/Tailândia, 2012 - 127 min.  
Drama/Aventura
Direção: Ang Lee

Roteiro: David Magee
Elenco: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Adil Hussain, Tabu, Rafe Spall, Gérard Depardieu
Indicações ao Oscar: Melhor filme, Melhor diretor, Melhor roteiro adaptado, Melhor trilha sonora original, Melhor canção original (Pi's Lullaby), Melhores efeitos visuais, Melhor fotografia, Melhor direção de arte, Melhor montagem, Melhor edição de som, Melhor mixagem de som

*Em negrito os prêmios ganhos

Um comentário:

  1. Israel, belo texto. Gostei de "As Aventuras de Pi", mas não tanto quanto os últimos filmes que tenho assistido. Visualmente eu acho ele fantástico, mas a trama não mexeu muito comigo, gostei do inicio dela, mas achei meio maçante do meio para o fim.

    ResponderExcluir